Sem consulta prévia dos académicos que diz representar, o senhor presidente da Academia das Ciências, professor Artur Anselmo, tem, nos últimos meses, feito declarações ou dado entrevistas a órgãos de comunicação social, nas quais tem posto em causa o Acordo Ortográfico, primeiro afirmando que queria reverter a sua aplicação e, ultimamente, que só pretende o seu “aperfeiçoamento” (vide, nomeadamente, os jornais i, de 5/5/2016, e Público, de 12/12/2016). Tais declarações têm sido atentatórias da memória da Academia, pois fazem esquecer que esta instituição é coautora do mesmo Acordo e promoveu a sua aprovação em 1990, em consonância com todos os países lusófonos. Todo este processo publicitário tem sido largamente desprestigiante para a Academia, desacreditando-a. De enorme gravidade têm sido, a este propósito, outras declarações proferidas, como a de que cada país (lusófono) tem direito à sua própria ortografia («Para nós, o normal é o respeito pelas ortografias nacionais», in Público, de 12/12/2016). Uma tal situação conduziria, sem dúvida, à fragmentação da própria Língua Portuguesa. Então, andaram os nossos grandes mestres da Filologia e da Linguística, portugueses e brasileiros, a labutar pela defesa da unidade essencial da língua e agora atraiçoamos esse património?

Foi, pois, deveras surpreendente a última iniciativa do senhor presidente da Academia, ao convocar um plenário de académicos efetivos, no passado dia 26 de janeiro, para, após uma pesada sessão da Classe de Letras, com a duração de três horas, levar a cabo, a partir das 17h30, aquele plenário, com sete pontos na ordem de trabalhos, transferindo, de forma arbitrária, para o final da reunião, o 3.º ponto: «Votação da proposta com "Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa"». A discussão deste ponto, ao fim de quase duas horas de reunião plenária, foi atabalhoada e feita à pressa. Dos 68 académicos efetivos, estavam presentes apenas 23, que votaram, favoravelmente, por maioria, a proposta.

Tendo consciência de que o documento apresentado para fins de votação nunca tinha sido objeto de discussão nas sessões da Classe de Letras e atendendo aos graves problemas inerentes a este projeto de retrocesso ortográfico, os dois linguistas, académicos efetivos presentes, votaram contra e entregaram uma declaração de voto, também subscrita por outro linguista, sócio correspondente, da qual se destaca o essencial das conclusões: «Organizados de forma caótica, os subsídios não evidenciam o rigor científico indispensável a um empreendimento académico desta natureza. (...) A pretensão de apressar a introdução de mais uma reforma nesta altura é vã e inoportuna, não tendo sido oferecida qualquer razão convincente para justificar a mudança de regime ortográfico nesta conjuntura, quer dentro quer fora da Academia das Ciências de Lisboa. Uma reforma do regime ortográfico em vigor não pode ser levada a cabo pela ACL, unilateralmente, mas deverá forçosamente ser elaborada em parceria com a Academia Brasileira de Letras, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Qualquer reforma ortográfica deve, enfim, incluir pelo menos todos os académicos especialistas na matéria.»

João Malaca Casteleiro, Rolf Kemmler, Telmo Verdelho

Artigo originalmente publicado no semanário Expresso, de 11 de fevereiro de 2017, «Linguistas contestam revisão do acordo aprovado em plenário Atentado na Academia das Ciências