Aqui se publica o conteúdo introdutório do VOLP-1940.

 

CAPÍTULO 1

Preliminares

Êste vocabulário está dividido em duas partes: 1.ª) «Vocabulário comum»; 2.ª) «Vocabulário onomástico». Inclui ainda um apêndice, que consta de um «Registo de abreviaturas».

Na primeira parte, como o nome indica, registam-se as palavras portuguesas de uso comum, isto é, o léxico geral da língua, descontados os nomes próprios. Na segunda parte registam-se os nomes próprios de várias categorias.

No apêndice dá-se uma lista de abreviaturas portuguesas e ainda de outras não portuguesas que são empregadas na nossa escrita. Seguiu-se, neste particular, o critério de só incluir as abreviaturas de maior importância para os usos correntes e de maior curiosidade geral para os dois países de língua portuguesa. Não se deu entrada às abreviaturas pròpriamente técnicas, privativas desta ou daquela disciplina.

Adoptando embora, como não podia deixar de ser, o sistema de grafia oficial­mente estabelecido, êste vocabulário fixa na escrita portuguesa várias alterações de pormenor. E apresenta ainda diversas novidades de técnica filológica, no que toca a registo, classificação, regularização de estruturas e prosódias vocabulares, etc.

Importa indicar estas inovações, expondo e comentando as bases ortográficas da obra e tôdas as particularidades do seu método.


I. Bases ortográficas

O presente vocabulário tem como base ortográfica fundamental a Reforma Ortográfica de 11 de Setembro de 1911.

Tem, além disso, duas bases acessórias: a portaria n.° 2:553, de 29 de Novem­bro de 1920, que alterou algumas disposições da Reforma de 1911; e o Acôrdo Ortográfico Luso-Brasileiro, tornado oficial entre nós pela portaria n.° 7:117, de 27 de Maio de 1931, e destinado a unificar a ortografia da língua portuguesa em Por­tugal e no Brasil.

Assente nestas três bases, o presente vocabulário respeita, de modo muito especial, o espírito da última. Obra da Academia das Ciências de Lisboa e da Aca­demia Brasileira de Letras, o Acôrdo de 1931, inspirado nos mais altos desígnios de unidade lingüística, não poderia deixar de influir, sob variadíssimos aspectos, na elaboração dêste volume, cujo fim primordial é regular e unificar.

Entretanto, apesar de inteiramente fiel ao espírito do Acôrdo Luso-Brasileiro e apesar de o ter como uma das suas bases ortográficas, êste vocabulário apresenta, por ser necessária, a revisão metódica das disposições nêle contidas.

Desde o início dos seus trabalhos, reconheceu a Comissão do Vocabulário da Academia das Ciências a necessidade de rever as normas do Acôrdo, para maior regularização da escrita portuguesa. Fêz a êsse respeito desenvolvido estudo; co­mentou e discutiu minuciosamente todos os casos de importância; e acabou por chegar às seguintes conclusões sôbre as disposições essenciais do convénio interacadémico, tais como foram publicadas no Diário do Govêrno:

1) «Mantém-se o h mudo medial nos vocábulos compostos com prefixos, quando o último elemento exista na língua como palavra autónoma: assim, continua a eszcrever-se, como até aqui, sair, tesouro, compreender, mas passa a escrever-se rehaver, deshumano, deshabitar».

Esta disposição suscita os seguintes reparos:

a) A manutenção do h nos vocábulos referidos pode dar origem, em certos casos, a confusões de pronúncia. Lembrem-se, a propósito, as con­fusões a que antigamente se prestavam grafias como anhelo, inherente, etc.

b) A manutenção do h nos casos referidos pode dar origem a incon­gruência gráfica entre palavras etimològicamente afins. Exemplo: inhospitaleiro, por haver hospitaleiro, e inóspito, por não haver o elemento simples correspondente.

c) A supressão do h mudo medial, qualquer que seja o composto em que êle ocorra, constitui elemento muito vantajoso de simplificação orto­gráfica.

Nestas condições, torna-se necessáría a abolição do h mudo medial em todo e qualquer caso, de acôrdo com o que foi preceituado pela Reforma Ortográfica de 1911.

2) «As formas reflexivas ou pronominais do futuro dos verbos perdem o h, como já se praticava nas formas reflexivas e pronominais do condicional: dever-se-ia, e também dever-se-á».

Esta disposição é absolutamente aceitável, pois há tôda a vantagem na unifi­cação ortográfica de dois casos morfológicos idênticos: o futuro e o condicional empregados com pronomes mesoclíticos.

Gonçalves Viana distinguia gràficamente os futuros como louvá-lo hei e dever­-se há dos condicionais como louvá-lo-ia e dever-se-ia, por considerar que os ele­mentos -hei, -há, etc., tẽem vida à parte, ao passo que não a tem o elemento -ia, valendo como simples terminação. Esta diferenciação seria, porém, demasiado técnica.

3) «Desaparece o s do grupo inicial sc: assim, cintilar, ciência».

Não merece reparos esta disposição, que constítui elemento utilíssimo de sim­plificação da escrita.

É evidente que a redução de sc a c se manterá nos compostos de palavras com sc- etimológico, quando a sua formação tenha sido feita em português. Assim: con­tracenar e encenação, escritos com c, como cena; mas proscénio, com sc, por ser composto que o português recebeu já formado.

4) «Os nomes toponímicos e antroponímicos escrever-se-ão com z final, quando oxítonos: Tomaz, Garcez».

Esta disposição suscita os seguintes reparos :

a) O emprêgo geral de z final em topónimos e antropónimos oxítonos contraria em inúmeros casos a etimologia. É o que sucede com Algez, Assiz, Luiz, Tomaz, em que o z em vez de s, desrespeita a grafia exigida pelos étimos respectivos.

b) O emprêgo de z final nessas condições dá origem a incongruência gráfica entre palavras afins. Exemplos: Inglez, antropónimo, em contra­posição com inglês e inglesa; Braz, Luiz, Tomaz em contraposição com Brásia, Luísa, Tomásia; etc.

Nestas condições, torna-se necessário que o z final em antropónimos e topó­nimos oxítonos apenas seja usado quando a etimologia o requeira: Moniz, Queluz.

5) «A abolição do ditongo oral ae torna-se extensiva ao ditongo nasal ãe: assim, mãi e não mãe».

Esta disposição não é conveniente, porque põe um ditongo nasal em desarmonia gráfica com outro do mesmo tipo: õe. Devemos escrever capitães, Guimarães, mãe(s), tal como escrevemos corações, põe(s), Simões.

O ideal seria, evidentemente, que se pudesse chegar às grafias fonéticas ãi e õi, ficando estes ditongos em simetria gráfica com uma série de ditongos orais: ai, oi, etc. Mas êste ideal não é fàcilmente atingível, por duas razões: porque viria contrariar uma tradição muito importante, particularmente forte no que diz respeito à escrita de nomes próprios (considerem-se, por exemplo, grafias como Magalhães e Camões); e porque, para se substituir ãe e õe por ãi e õi, também lògicamente se deveria, com o mesmo critério de ortografia fonética, substituir ão por ãu, o que é inexeqüível, por fortissímos motivos de tradição gráfica.

6) «Mantém-se o ditongo ue: atues em vez de azuis».

Esta disposição não é conveniente, porque põe um ditongo oral em desarmonia com outros que tẽem a mesma vogal subjuntiva. Devemos escrever ui, como escre­vemos ai, ei, éi, oi e ói.

Tôdas estas conclusões foram devidamente apresentadas à Academia das Ciên­cias, que, por sua vez, as transmitiu, mediante uma exposição do director da Co­missão do Vocabulário, à Academia Brasileira de Letras.

A correspondência trocada sôbre o assunto entre as duas corporações, e que consta do Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, vol. de 1939, pp. 15o e segs., mostrou, com os esclarecimentos que a propósito ainda deu o director da re­ferida Comissão, não haver divergências fundamentais e ser possível a revisão do Acôrdo Luso-Brasileiro segundo as considerações expostas. Está, portanto, esta obra em condições de apresentar essa necessária revisão, indo assim ao encontro dos votos formulados por especialistas da língua de um e de outro lado do Atlântico.

Além disto, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa só apresenta inovações ortográficas em casos que não afectam o sistema oficial de escrita. Tôdas elas se fundam no espírito de regularização e simplificação que domina êste sistema e algumas até resultam da preocupação de o fazer cumprir melhor.

No que toca à representação gráfica dos fonemas, regula-se o emprêgo de m e n em fim de sílaba, de b, d e outras consoantes em final de palavra, do ditongo éi na terminação -éia, etc.

No que toca à acentuação gráfica, fazem-se acertos vários; regulariza-se, com a fixação de algumas excepções, o emprêgo dos acentos por homografia; e estende-se, por clareza gráfica, o uso dos acentos a casos que o tem dispensado ou só irregu­larmente aproveitado.

Nada, porém, de fixar acentuações que, embora facilitassem a leitura, compli­cariam muito a escrita: não se adopta, por sistema, o acento grave em vogais abertas átonas resultantes de contracção, isto é, em casos como corar, padeiro, saveiro, ou como Pacô, Resende, Tavares, porque distingui-las seria pràticamente difícil; não se adopta o acento grave na vogal da primeira sílaba de república, porque, a adoptá-lo, seríamos levados a acentuar muitas outras vogais abertas áto­nas, como em paroxismo, sacristão, velhada; não se prescreve o mesmo acento para a última sílaba de cáspite, exclusive, inclusive (diverso o caso de avè e salvè, em homografia com ave e salve), porque, para o prescrever, ter-se-ia de considerar acentuação idêntica na última sílaba de muitos elementos de composição, como histórico-, luso-, póstero-, o que representaria complicação do nosso sistema gráfico; não se prescreve também o mesmo acento para as vogais abertas átonas de bebé, tatá, teté, ou de nomes hipocorísticos como Lalá, Loló, Nené, porque teríamos assim em muitas palavras (o que só convém excepcionalmente: cf. prègámos, do v. pregar) dois acentos em sílabas vizinhas, e porque a simples geminação silábica dispensa, em casos tais, que se indique a abertura vocálica da primeira sílaba.

Quanto a outras simbolizações, metodiza-se com pormenores novos o uso do til e do trema.

Quanto a sinais auxiliares da escrita, faz-se revisão metódíca do uso do hífen e do apóstrofo, com a qual se amplifica, mas não se invalida, o que foi estabelecido sôbre êsses sinais.

Quanto ao uso das iniciais maiúsculas, dá-se lista minuciosa de casos, porque só alguns, embora os mais importantes, foram indicados pela Reforma Ortográfica de 1911.

Finalmente, no que respeita à divisão silábica, mantẽem-se tôdas as normas oficialmente estabelecidas, mas alarga-se a sua exemplificação e dão-se a seu respeito esclarecimentos novos.


II. Registo vocabular

1. Limites do registo:

De harmonia com o plano estabelecido para o Dicionário da Academia, êste vocabulário abrange apenas a língua portuguesa moderna, isto é, o período lingüís­tico que decorre do século XVI até à época actual. Como terminus a quo, por ser isso convenção de utilidade prática, fixou-se para o registo o ano de 1500.

Ficam, portanto, em princípio, fora de registo os vocábulos pertencentes ao período arcaico do idioma.

Exceptuam-se, evidentemente, os arcaísmos que ainda vivam para além do pe­ríodo arcaico ou que revivam literàriamente na linguagem de autores modernos ou contemporâneos. E exceptuam-se ainda, com os possíveís derivados, as palavras arcaicas que designem instituïções, costumes e objectos materiais. Entendeu-se, neste caso, que, desusada embora uma palavra, por ter morrido a instituïção, findado o costume ou desaparecido o objecto que designava, representa ela, todavia, elemento de importância histórica e cultural e constitui, por isso, valor permanente da língua.

As formas que sejam antigas em relação à língua de hoje, conquanto situadas dentro dos limites do registo, levam a nota de antigas. Aquelas que sejam antigas em relação ao uso geral, mas vivam ainda entre o povo, levam a nota de antigas e populares. Num e noutro caso indica-se a forma correspondente do uso normal contemporâneo, sempre que ela e a palavra registada sejam etimològicamente afins.

2. Amplitude do registo:

Com as muitas colheitas que se fizeram nos clássicos portugueses, com outras colheitas em autores modernos ou contemporâneos, e ainda com a recolha de muitas palavras de uso dialectal, tem êste vocabulário amplitude maior que a de qualquer léxico ou vocabulário português publicado até à data da sua elaboração.

Dá-lhe também amplitude maior o registo especial de elementos de composição e derivação, todo êle feito com extensão e pormenor até hoje não adoptados.

Além disso, o vocabulário apresenta, com rigorosa forma portuguesa, um con­tingente vocabular copiosíssimo, que pela primeira vez dá entrada metódica numa obra lexicográfica: as formas nominais, de valor adjectivo e substantivo, correspon­dentes aos nomes étnicos das línguas clássicas. Torna-se desnecessário salientar a conveniência dêste registo, atento o modêlo que nêle passam a ter os tradutores e comentadores de obras gregas e latinas.

Por outro lado, a secção do «Vocabulário onomástico», obra nova na maior parte, apresenta contribuïções novas mesmo em categorias onomásticas que já tẽem sido estudadas e registadas pelos nossos lexicógrafos. Estão neste número muitas correspondências vernáculas de topónimos estrangeiros, as quais ou resultaram de colheitas próprias nos nossos escritores dos séculos XVI e XVII ou de trabalhos espe­ciais de adaptação.

Se, porém, sob vários aspectos, o Vocabulário da Academia é mais rico de palavras do que qualquer dicionário ou vocabulário português, sob outros aspectos é propositadamente menos rico.

Um exemplo: —No que respeita aos compostos do tipo de anglo-indiano, franco­-britânico, luso-brasileiro, etc., teve-se na maior atenção o valor fixo e o valor móvel das composições, para só se fazer registo dos compostos verdadeiramente fixos na língua. Quere dizer: averbam-se as formas dêsse género que designem factos históricos ou geográficos de importância, mas deixam-se de fora quaisquer composições ocasionais a que possam prestar-se os elementos como anglo-, franco-, greco-, la­tino-, luso-, etc.

Outro exemplo: — Muitas formas vocabulares que vários lexicógrafos registam como palavras compostas omitem-se neste vocabulário (onde não figuram locuções por ordem alfabética), por terem sido consideradas como locuções.

Esta divergência de critério é exemplificada sobretudo por nomes botânicos. Assim: rosa-de-musgo e rosa-de-toucar entram no registo, porque, não designando variedades de rosa, mas plantas várias, embora da família das rosáceas, constituem unidades de sentido e são, portanto, verdadeiras palavras compostas; do mesmo modo, entram rosa-da-china, rosa-da-índia, rosa-de-gueldres, que nem sequer desi­gnam plantas rosáceas; mas não entra, por exemplo, rosa chá (onde chá é apôsto qualificativo, como o segundo elemento de pêra formiga ou pêra pérola), porque, designando uma variedade de rosa, constitui uma pluralidade de sentido e é, portanto, morfològicamente, locução substantiva.

Entende-se, dêste modo, que uma designação como rosa chá deve figurar nos dicionários no artigo de rosa, e não em registo independente. E análoga colocação se dará a tantas outras designações botânicas, como são, por exemplo, os nomes de variedades de frutas: banana pão, maçã de prato, pêra de pé curto, etc.; os quais os dicionários costumam inserir, como compostos, por ordem alfabética, quando deviam inseri-los, como locuções, nos artigos das respectivas palavras básicas: ba­nana, maçã, pêra, etc.

Mas, além dos nomes botânicos, muitos outros casos assinalam a mesma diver­gência de critério. Assim: ao passo que o Dicionário de Cândido de Figueiredo trata como palavras compostas formas do tipo de febre-amarela, gaia-ciência, língua-malabar, marco-branco, e como palavras compostas trata ainda um número variado de dicções em que entra o elemento mal na acepção de «moléstia», o presente vocabu­lário não dá entrada a nenhuma dessas formas, que devem ser consideradas locuções e como locuções representadas gràficamente: febre amarela, gaia ciência, língua malabar, marco branco, mal de Luanda, mal céltico, mal da baía de São-Paulo, etc.

Ainda quanto à amplitude do registo, importa notar alguns aspectos particulares:

1) Relativamente aos substantivos, faz-se registo de flexões sempre que os plu­rais e os femininos apresentem particularidades gráficas ou sejam, morfològicamente, de tipos diversos dos mais normais.

Não se registam aumentativos em -ão de substantivos masculinos nem aumen­tativos em -ona de substantivos femininos, a não ser quando tenham particularidades de sentido.

Do mesmo modo, omitem-se todos os diminutivos em -inho que não tenham valor semântico especial.

2) Relativamente aos adjectivos, indicam-se tôdas as flexões com particulari­dades gráficas e ainda várias com importância ou curiosidade morfológica.

Omitem-se, por brevidade, tôdas as flexões em -osa, -usos, zosas, dos adjectivos em -oso (ò).

3) As flexões do artigo, assim como as flexões dos pronomes mais usuais, são, pela sua importância, registadas por ordem alfabética, além de acompanharem o registo das formas básicas.

4) São indicadas as conjugações dos verbos irregulares e bem assim muitas formas de verbos regulares ortogràficamente dignas de observação.

Dão-se também nalguns casos, quando a ortografia o exija, conjugações reflexas e com o pronome -lo.

Por brevidade não se registam as seguintes flexões:

a) de verbos regulares com c ou g antes da vogal temática. São de elementar conhecimento as mudanças possíveis do c e do g em qu e gu, quando guturais, e em ç e j, quando não guturais: atacar /ataquei, entre­gar/ entreguei, esquecer / esqueço, fugir /fujo, etc.

b) de verbos regulares com ç antes da vogal do radical. É também de elementar conhecimento a mudança possível do ç em c: alcançar / alcan­cei, etc.

c) de verbos regulares com gu antes da vogal do radical. É igualmente de elementar conhecimento a mudança possível do gu em g: extinguir / ex­tingo, etc.

d) dos verbos em -ear. Entenda-se que êstes verbos mudam normal­mente o e em ei nas formas rizotónicas e o conservam nas demais formas: receio, receias, receia, receamos, receais, receiam; receava, etc.; receei, etc.; receara, etc.; recearei, etc.; receie, receies, receie, receemos, receeis, receiem; receasse, etc.; (se eu) recear, etc.; receia, receai; recearia, etc.; recear (eu), etc.; recear; receando; receado.

e) dos verbos em -oar. Entenda-se que a primeira pessoa do singular do presente do indicativo dêstes verbos, de acôrdo com uma norma orto­gráfica especial, tem sempre acento circunflexo na vogal da sílaba tónica: abençoar/ abençôo, doar /dôo, perdoar /perdôo, etc.

5) Nas indicações de flexão nominal ou verbal incluem-se formas antigas, desde que tenham, como o exigem os limites do registo, abonação não anterior ao século XVI.

6) Não se registam, em princípio, por serem fàcilmente deduzíveis das respec­tivas bases, os advérbios em -mente que sejam apenas advérbios de modo.

Abrem-se poucas excepções: para os advérbios designadamente, nomeada­mente e respectivamente, em virtude de valerem, como formas de enunciação, um aspecto particular do «modo»; para advérbios que tenham particularidades morfo­lógicas, como portuguêsmente, deduzido do antigo uso uniforme de português; e para os poucos advérbios formados de comparativos ou de outros advérbios de modo, como mormente e malmente.

7) No registo onomástico a amplitude é, em regra, a maior que se tornou possível. Mesmo de categorias onomásticas menos importantes há registo extenso. Por exemplo: a categoria dos nomes próprios de valor cronológico aparece representada não apenas por formas pròpriamente portuguesas, mas pelas equivalências portu­guesas de nomes da cronologia romana, grega, hebraica, árabe e hindu (nomes de meses, eras, etc.).

Há, porém, categorias em que se fazem limitações. Assim, na categoria dos nomes pessoais, não se registam, por brevidade, os apelidos portugueses que este­jam em correspondência com palavras do vocabulário comum: Correia, Oliveira, Pereira, etc.

No que respeita a nomes de povoações, só se registam: de Portugal e seu Im­pério, nomes de cidades, vilas, aldeias ou lugares de alguma importância, e nomes de pequenas povoações que tenham curiosidade gráfica ou que sejam, ao mesmo tempo, antropónimos; do Brasil, os nomes das mais importantes cidades; de outros países ou regiões, os nomes que tenham real importância ou que, não a tendo, pos­suam, todavia, correspondência em português.

 

3. Pormenores do registo:

1) «Pluralia tantum». As formas substantivas que, pelo sentido, sejam «apenas plurais», vão a par das formas singulares com elas coexistentes, sempre que estão directamente ligadas à significação destas. Assim: águas a par de água, bodas a par de boda, etc.

2) Séries numeradas. Fazem-se o mais metòdicamente possível os registos dêste género. Assim, por o exigir a etimologia, abrem-se muitas séries vocabulares novas, para formas que tẽem sido confundidas num único artigo.

Além disso, regula-se por normas especiais a numeração de palavras em série. No caso de palavras morfològicamente diversas, atende-se à ordem clássica das cate­gorias morfológicas: um substantivo primeiro que um adjectivo, um adjectivo primeiro que um verbo, um pronome primeiro que uma forma inflexiva, etc. No caso de palavras da mesma categoria morfológica, atende-se, em primeiro lugar, à ordem da sua entrada na língua; não sendo esta de considerar, atende-se à ordem da sua importância ou freqüência; e só se faz indiferentemente a numeração quando não haja motivo para a regular.

A numeração de prefixos e outros elementos de composição, bem como a de sufixos, é igualmente regulada: segue-se, tanto quanto possível, a ordem da sua im­portância ou freqüência.

Nas séries de dois sufixos de valor prosódico diverso dá-se o primeiro lugar ao sufixo tónico e o segundo ao átono.

III. Indicações complementares do registo

1) Para esclarecer ou ampliar o registo faz-se, num grande número de casos, a indicação de «variações» vocabulares.

As variações são, em princípio, dispensadas de registo independente: assim, oiro não figura por ordem alfabética, mas apenas no artigo de ouro. E adopta-se cri­tério idêntico para os derivados que correspondam a essas formas, os quais vão sòmente a par dos derivados das formas básicas.

Quando, porém, se dê o caso de a variação ser mais usual que a forma básica, como é, por exemplo, coisa em relação a cousa, faz-se registo alfabético de uma e de outra. E procede-se idênticamente para os derivados de ambas.

Também uma variação tem registo à parte, quando, além do sentido da forma básica, possua sentido especial. Exemplo: samessuga figura no artigo de sangues­suga, mas, por ter significação particular, vai também na ordem alfabética.

Ainda uma variação tem registo à parte, quando seja homónima de outra ou outras palavras e deva, portanto, entrar em série: assim, acanelar, variação de acanalar, figura no artigo dêste verbo, mas também em série com o verbo acanelar.

2) Quando não esteja bem definida a relação entre duas ou mais formas, por haver dúvida sôbre o étimo, e seja, por isso, impossível fixar uma como base, fa­zem-se registos separados. E junta-se a cada uma a indicação da forma ou formas conexas, sob a designação de «formas paralelas». Exemplo : doido e doudo regis­tados ambos com a nota de paralelismo.

Adopta-se o mesmo processo para muitas formas de que se conhece a etimo­logia e a relação, mas que sucede coexistirem em português com igual importância ou curiosidade lingüística: assim, arranco e arranque, desgasto e desgaste, etc.

De harmonia com as formas paralelas, são registados separadamente os seus respectivos derivados.

3) Indicam-se em vários artigos «reduções» vocabulares.

Se tẽem importância especial, tomam também lugar na ordem alfabética. É o caso de moto, redução de motocicleta.

Se estão em homonímia com outras palavras, entram com elas em série. É o caso de auto, redução de automóvel, em série com o substantivo auto.

4) Nos artigos de tôdas as palavras que tenham acento circunflexo, agudo ou grave por motivo de homografia fazem-se as necessárias indicações. Por exemplo: substantivo adôrno leva nota de confrontação com adorno, do verbo adornar; substantivo pólo (tal como pólo) é confrontado com a forma polo, depor + artigo ou pronome lo; a interjeição salvè é confrontada com salve, do verbo salvar; etc.

5) Em vários artigos de palavras homófonas e mesmo nalguns de palavras homógrafas, quando convenha esclarecer a grafia pelo sentido, dá-se definição dessas formas e faz-se remissão de umas para as outras. É o que sucede nos artigos de chácara e xácara, de academia e académia, etc.

IV. Indicação de pronúncias

Num vocabulário ortográfico, a indicação de pronúncias só figura como elemento secundário. Dá-se, por isso, valor apenas acessório às pronúncias que se registam, entre parênteses, nas duas secções dêste vocabulário.

O sistema de simbolização adoptado é o mais simples possível. Nalguns casos coincide com o do Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa, de Gonçalves Viana.

Note-se que nenhuma indicação ortofónica leva o e das vulgares terminações -echo, -ejo, -elho, -enho e das correspondentes femininas, em virtude de ser variável o seu valor na pronúncia portuguesa: ê ou â. Indica-se, porém, o valor do e de formas como brejo e velho, por ser excepcionalmente aberto.

V. Classificação vocabular

Quer no «Vocabulário comum» quer no «Vocabulário onomástico» faz-se a classificação completa das palavras.

No «Vocabulário comum» indicam-se categorias e subcategorias morfológicas. Por exemplo: não se diz apenas que uma determinada palavra é pronome, numeral, advérbio ou conjunção, mas também de que espécie ela é dentro da categoria dos pronomes, dos numerais, dos advérbios ou das conjunções.

Eis algumas particularidades da classificação:


1. Classificação do «Vocabulário comum»:

1) Classifica-se como «substantivo masculino e feminino» (s. m. e f.) ou, se preferível a ordem inversa, como «substantivo feminino e masculino» (s. f. e m.) o substantivo que, com a mesma significação, aparece no uso português com variação de género.

Classifica-se como «substantivo masculino e substantivo feminino» (s. m. e s. f.) ou, se preferível a ordem inversa, como «substantivo feminino e substantivo masculino» (s. f. e s. m.) o substantivo cujo género varie segundo as significações.

2) Relativamente aos nomes numerais, adoptam-se as designações clássicas de «numeral cardinal», «numeral ordinal», «numeral distributivo», «numeral multipli­cativo» e «numeral fraccionário», as quais representam tôdas, como é sabido, valores fundamentalmente adjectivos.

Adopta-se também a designação clássica de «advérbio numeral» para casos como bis. Fica entendido que, embora não registadas, se consideram como «locuções adverbiais numerais» as locuções do tipo de duas vetes, três vetes, etc.

Adoptam-se ainda as designações «substantivo numeral masculino» e «substan­tivo numeral feminino» para os substantivos que tenham um valor pròpriamente numeral, correlativo de um numeral cardinal, ordinal, multiplicativo, etc. Estas designações são seguidas de «substantivo masculino» ou «substantivo feminino», se à função pròpriamente numeral acresce uma função de substantivo comum.

3) Para a forma eis, embora o seu valor adverbial seja discutível, fixa-se pràticamente o nome de «advérbio de designação».

Para os advérbios como certamente, .efectivamente, realmente (fora do valor que podem ter como expressões de «modo»), e ainda para outros advérbios como claro, decerto, etc., fixa-se a designação especial de «advérbios de confirmação»: nenhuma outra parece melhor para classificar advérbios com que se «confirma» uma asserção ou uma idéia que está presente ao espírito.

Fica entendido que, embora não registadas, são consideradas como «locuções adverbiais de confirmação» formas do tipo de com efeito, de facto, na realidade, na verdade, sem dúvida.

4) Assenta-se no critério de classificar como «elemento substantivo», «elemento adjectivo», «elemento adverbial», etc., e não pròpriamente como «substantivo», «adjectivo», «advérbio», etc., várias formas que apenas vivem na língua em locuções ou expressões. Nestes casos, ao lado de tais elementos sem vida independente vão sempre as locuções ou expressões respectivas.

Para qualquer dos elementos como claras, direitas, escuras (cf. às claras, às direitas, às escuras), prefere-se, por êles serem substantivação de adjectivos, a designação de «elemento nominal».

5) Pôsto que o têrmo «prefixo» possa designar, sem impropriedade, qualquer elemento que ocupe o primeiro lugar num composto, apenas se classificam como prefixos, neste vocabulário, elementos que representem etimològicamente partículas invariáveis: ab-, apo-, circum-, hipo-, ob-, peri-, etc. Segue-se nisto, portanto, o cri­tério mais corrente.

Reserva-se a designação de «elemento de composição» para todo o elemento que se baseie etimològicamente num tema nominal, pronominal ou verbal, qualquer que seja o seu lugar no composto: auto-, mono-, multi-, uni-; fero, -gero, zgrafia, -logia; etc.

6) O elemento el- (de el-rei), embora valha pràticamente o mesmo que qualquer elemento de composição, é classificado, por se atender ao seu valor originário de artigo, como «elemento articular».

7) O elemento a- de formas como alembrar ou atambor é classificado como «elemento protético». Apesar do seu aspecto prefixai, não se inclui no número dos prefixos, porque o proíbe a sua natureza: o fenómeno que êle representa, a pró­tese, é um fenómeno fonético, ao passo que a prefixação é um fenómeno morfo­lógico.

 

2. Classificação do «Vocabulário onomástico»:

Para a classificação das formas onomásticas com nomenclatura regular e homo­génea não dispunha a Comissão do Vocabulário da Academia de mais designações do que os consagrados têrmos «antropónimo», «topónimo» e «patronímico». Faltavam-lhe designações para classificar várias outras categorias de nomes próprios, cujo registo era imprescindível.

Podia a falta ser remediada por forma muito simples: classificarem-se os nomes próprios apenas de «substantivo masculino» ou «substantivo feminino», conforme os casos, e, quando necessário, acrescentar-se a esta classificação a indicação de «plural». Tal solução, porém, se facilitava o registo onomástíco, não seria científica, pois deixaria milhares de casos sem as distinções convenientes.

Entendeu, por isso, a Comissão do Vocabulário, sob proposta do director, fixar uma série de designações novas, devidamente formadas de elementos de origem grega. Apresentadas nesta obra com a aprovação da Academia, permitem, como convinha, a sistematização lexicográfica de um importante contingente de palavras.

Indicam-se a seguir as designações antigas e as novas, com as respectivas eti­mologias, com a indicação dos casos que sob elas ficam abrangidos e com mais algum esclarecimento ou nota complementar:

i) antropónimo: de ántrhōpos «homem» + elemento -ónymos «nome».

São considerados «antropónimos» os nomes de pessoas em geral: José, Maria, Vasconcelos. Os quais, sempre que tenham género próprio, como sucede com todos os prenomes, levam a classíficação de «antropónimo masculino» ou «antropónimo feminino» e, sempre que o não tenham, como sucede com os nossos apelidos, levam apenas a classificação de «antropónimo».

Classifica-se como «elemento antroponímico» tôda e qualquer forma antroponímica que não se use independentemente: Ben, Ibne, Júnior, Sénior.

2) topónimo: de tópos «lugar» + elemento -ónymos «nome».

São considerados «topónimos» os nomes próprios locais em geral: Brasil, Eu­ropa, Lisboa, Pacífico, Tejo. Os quais, sempre que tenham género próprio, levam a indicação conveniente e, sempre que o não tenham, levam apenas a classificação de «topónimo».

Formas como Ceca e Araganças t~eem a classificação «elemento toponímico», por não se usarem senão em expressões : Ceca e Meca, Franças e Araganças.

-     3) patronímico: de patrōnymikós «do nome do pai».

Entendem-se por «patronímicos» não apenas os nomes que exprimam filiação ou descendência, mas também os que designem uma linhagem: Atrida (filho de Atreu), Pelida (filho de Peleu), Sigeia (filha de Sigeu); Afonsinos (dinastia portuzguesa), Aglábidas (dinastia muçulmana), Antoninos (dinastía romana); etc.

À semelhança de antropónimo e topónimo, pode perfeitamente usar-se, com o mesmo valor de patronímico, a forma patrónimo. Se neste vocabulário se adopta patronímico, é em virtude da vulgaridade que já tem.

4) prosónimo: do prefixo pros-, com o sentido de adjunção, + elemento -ónymos «nome» (sob o modêlo de prosōnymía, palavra usada por Plutarco).

Entendem-se por «prosónimos» os cognomes ou apodos em geral: Conquistador, Sem-Pavor, Sempre-Noiva. O que quere dizer que são também «prosònimos» as correspondências portuguesas dos «agnomina» ou «cognomenta» romanos: Africano, Germânico, Numidico.

Poderia prestar-se a designar o mesmo que prosónimo o têrmo parónimo, visto haver em grego parónymon, com o mesmo sentido do lat. agnomen. Como, porém, esta designação corre com outro sentido na nossa nomenclatura gramatical (o qual é consentido pelo adjectivo grego parónymos), dá-se preferência àquela forma.

  • etnónimo: de éthnos «povo» + elemento -ónymos «nome».

São considerados como «etnónimos» os nomes de povos, de tribos, de castas, e bem assim, por extensão, os nomes de comunidades políticas ou religiosas que possam ser entendidos num sentido étnico. Quere dizer : tanto se classificam como «etnónimos» as formas Alemães, Bijagós, Párias, como Sovietes (na acepção de Russos), Tugires (numerosa seita indiana), etc.

Não se consideram na categoria dos «etnónimos» os nomes que designem nazturais ou habitantes de uma povoação, de uma província ou de um estado: lisboetas, minhotos, rio-grandenses. Embora entendidos pelos filólogos como nomes étnicos, devem, pelo seu valor mais restrito, ficar fora do onomástico.

Conquanto não registados, é evidente que entram nos «etnónimos» todos os casos de nomes de povos usados metonìmicamente no singular: Português= Portu­gueses, Romano = Romanos, etc.

  • hierónimo: de hierós «sagrado» + elemento -ónymos «nome» (sob o mo­dêlo do adjectivo hierónymos «cujo nome é sagrado», já existente em grego).

São considerados como «hierónimos» todos os «nomes sagrados» e os demais nomes próprios relativos a crenças das religiões cristã, hebraica e maometana: Alá, Deus, Jeová, Natividade, Ressurreição.

  • mitónimo: de mýthos «fábula» + elemento -ónymos «nome».

Entendem-se por «mitónimos» todos os nomes próprios pertencentes à mitozlogia clássica ou a outra qualquer (nomes de entidades, lugares, animais, etc.): Cér­bero, Deméter, Dioscuros, Hades, Júpiter.

  • astrónimo: de ástron «astro» + elemento -ónymos «nome».

Entendem-se por «astrónimos» os nomes próprios astronómicos em geral (nomes

de estrêlas, planetas, constelações, etc.): Canopo, Dragão, Vénus.

  • cronónimo: de khrónos «tempo» + elemento -ónymos «nome».

São classificados como «cronónimos» os nomes próprios pertencentes ao calen­dário de qualquer povo, os nomes de eras históricas e ainda vários nomes designa­tivos de épocas: Fevereiro, Hégira, Quinhentos (=século XVI).

10) heortónimo: de heorté «festa» + elemento -ónymos «nome».

São classificados como «heortónimos» todos os nomes próprios designativos de

festividades populares: Carnaval, Lupercais, Panateneias.

11) bibliónimo: de biblíon «livro»          elemento -ónymos «nome».

São classificados como «bibliónimos» os nomes de livros que, pela sua impor-

tância universal, devam ser incluídos no onomástico geral da língua: a) nomes de livros sagrados: Alcorão, Bíblia, Talmude; b) nomes de obras literárias: Eneida, Ilíada, Odisseia.

Adoptando dêste modo, juntamente com têrmos já usados, uma série de têrmos novos para classificação do onomástico, a Comissão do Vocabulário da Academia admite simultâneamente uma série de designações substantivas com as quais se no­mearão conjuntos onomástícos de várias categorias e igualmente os estudos ou teo­rias respectivas. Assim como temos antroponímia ou toponímia, teremos também, com tôda a regularidade, prosonímia, etnonímia, hieronímia, mitonímia, etc., têrmos que ficam registados neste vocabulário.

Do mesmo modo se admitem e se registam os adjectivos correspondentes a essas formas, os quais, antes de mais nada, são necessários para qualificar as lo­cuções correspondentes às categorias indicadas: «locuções prosonímicas» (cf. Flor da Altura), «hieronímicas» (cf. Espírito Santo), «mitonímicas» (cf. Campos Elí­sios), etc.

3. Outro elemento de classificação:

Entende a Comissão do Vocabulário da Academia indicar de modo especial, na secção do «Vocabulário comum», em virtude de exigirem iniciais maiúsculas, as palavras que constituam formas corteses de tratamento ou expressões de reverêncía. Para as designar, fixa, por proposta do director, um neologismo formado de ele-

mentos gregos: axiónimo, de axía «dignidade»           elemento -ónymos «nome».

É muíto numerosa e variada a axionímia portuguesa: são axiónimos não apenas inúmeras formas substantivas, como Dom, Doutor, São, Senhor, pop. Tio Se-nhor); mas também inúmeras locuções, fundamentalmente de valor pronominal, e diversas reduções destas mesmas, como Sua ou Vossa Alteza, Sua ou Vossa Exce­lência, Sua ou Vossa Senhoria, Vosselência, pop. Vossoria; e ainda qualificativos vários de forma adjectiva, como Digníssimo, Excelentíssimo, Fidelíssimo, Reverendo, Sereníssimo.

De todos êstes casos se faz a devida menção, acrescida, por vezes, de comen­tários.

VI. Estruturas e prosódias vocabulares

Fêz a Comissão do Vocabulário da Academia, segundo normas estabelecidas pelo director, a revisão metódica de inúmeras palavras, sob o aspecto da estrutura e da prosódia. Efectuando, porém, esta revisão, extremamente variada e difícil, teve o cuidado de só praticar a correcção ou o aperfeiçoamento quando não se lhes opusessem tradições ou usos consagrados. Entendeu, como convinha, que de nada valeria, em certos casos, sobrepor uma preocupação de rigor filológico a uma realidade, lin­güística indestrutível.

O trabalho mais extenso realizado neste campo foi a revisão geral da estrutura e da acentuação das palavras cultas de origem grega, assim como das palavras hí­bridas reguladas pelas suas normas de formação. Dá o vocabulário, a êste respeito, informação abundante.

Em muitos artigos de formas correctas, faz-se menção das que não devem ser usadas. E em muitas formas que não são inteiramente correctas, mas que podem ter aceitação, faz-se remissão para as formas preferíveis.

Quando, porém, a forma que se corrige ou se mantém sem correcção não cons­titui um caso avulso, mas um caso de sistema, inerente a um grupo mais ou menos numeroso de palavras, dispensa-se, por brevidade, comentário da emenda ou da conservação, que se subentenderão reguladas pelas devidas normas ou razões filo­lógicas. Cumpre, para orientação do leitor, apontar os mais importantes dêstes casos:

1. Estruturas:

i) Segundo o modêlo dos compostos que o português, directa ou indirectamente, recebeu do grego já formados, não se admite que o o final de um elemento de com­posição de origem grega permaneça diante de uma vogal que imediatamente se lhe siga: elide-se regularmente êsse o. Assim: ficamos tendo electríman, endarterial, gastrenterite, monatómico, do mesmo modo que já tínhamos, recebidos do grego, demagogo, filantropo, monandria, e, formados modernamente, mesencéfalo, nevral­gia, quiralgia.

Abre-se excepção apenas para alguma forma que esteja em circunstâncias espe­ciais, mas, mesmo assim, indicando a forma melhor. Exemplos: não se deixa de registar hidroavião, porque, além de muito freqüente, tem a redução hidro, mas cita-se como melhor a forma hidravião; não se deixa de registar o composto ter-moelectricidade, em virtude da sua grande divulgação e da correspondência de estrutura que tem noutras línguas, mas aponta-se como preferível a forma termelectricidade.

2) Fixazse como regra a duplicação do r e do s iniciais dos elementos que se sigam a outros terminados em vogal: endorrio, ornitorrinco, otorrinolaringozlogista; idiossincrasia, monossomo, polissemia.

Admitem-se, entretanto, como não podia deixar de ser, as excepções impostas pelo uso. Acontecendo, por exemplo, que os elementos de origem grega -sarca, -sito e -sofra se fixaram em várias palavras, como anasarca, parasito e filosofia, sem dobrarem o s, respeita-se esta particularidade, que, portanto, se torna extensiva a todos os demais casos.

  • Conquanto se corrija ou aperfeiçoe a forma de vários elementos de posição final, não se alteram, todavía, aquêles elementos finais que vivam na língua em forma plenamente enraizada. Por exemplo: não se muda o elemento -fone em -fono ou -fónio, como pretendem alguns filólogos, porque a vulgaridade de substantivos como gramofone, microfone, telefone limitaria essa mudança a um valor apenas teórico.

O caso de fofo e -fónio, propostos para substituir -fone, lembra o de -podo e -pódio, que alguns filólogos propõem para substituir o elemento -pode, de substan­tivos como cefalópode, gastro'pode, etc. Em tal caso, por sinal, não há razão alguma para a mudança: representando êsse elemento a forma de acusativo do elemento grego -pous, assente no substantivo de tema em consoante póus—podós «pé», e tendo a adaptação desta forma ao português de se fazer, segundo a regra, por intermédio de uma suposta forma latina, está perfeitamente certo que êle termine em e, como acontece ao elemento sinónimo -pede, derivado do elemento latino -pes, assente no substantivo pes—pedis.

  • Só são corrigidas as formas de sufixo em que a alteração não colida com a fôrça do uso. Deixa-se, por isso, intacto, entre outros, o sufixo -ite constitutivo de nomes de minerais.

Ramiz Galvão pretendia que o -ite dêstes nomes fôsse substituído por -ito. Se, porém, se quisesse dar forma inteiramente correcta ao representante português do sufixo grego -ítēs, não seria -ito, mas -ita, visto enquadrar-se êsse sufixo na flexão das palavras de tema em a-.

É esta forma -ita — note-se — que o presente vocabulárío adopta em nomes de fósseis, por já ter curso mais ou menos fixo em tais nomes. E é esta forma, ainda, a que consigna noutros casos em que nada obsta ao rigor: assim, os nomes de vi­nhos abrotonita e absintita, representante dos gregos abrotonítēs e apsinthítés.

2. Prosódias:

i) Mantëem-se, apesar de não perfeitas, por estarem consagradas, várias prosódias de palavras de uso geral: anedota, enciclopédia, peripécia.

Corrigem-se, porém, as prosódias que, embora correntes, estejam ainda a tempo de receber emenda, por serem de palavras de uso restrito. Assim: ortoepia, e não ortoépia.

2) Quando uma prosódia tenha predomínio absoluto, embora não seja rigorosa, nos vários usos de um elemento de composição, é essa a que se faz prevalecer.

Por exemplo: unificam-se como paroxítonos todos os emprêgos do elemento -crata, muito embora um ou outro possa ter recebido prosódia diversa: aristocrata, autocrata, democrata.

Quando, porém, uma prosódia não rigorosa só esteja absolutamente radicada num único composto, mantém-se neste, mas corrige-se nos demais. Por exemplo: subsiste acrobata, mas adopta-se aeróbata, nefelibata, etc.; subsiste míope, mas adopta-se hiperope, hipermetrope, etc.

  • Sempre que uma prosódia não rigorosa de um elemento de composição esteja inteiramente fixa e seja comum a todos os seus usos, prescinde-se da correcção. É o caso do elemento -gorro = «àngulo», que se igualou prosòdicamente ao elemento átono -gano= «descendente», e já não pode ter, como deveria, acento próprio: hexá­gono, pentágono, polígono.
  • A prosódia dos sufixos de origem grega é regulada, como convém, pela quantidade etímológica. Recebe, porém, tratamento especial o sufixo -ia, cuja prosódia depende das várias condições histórícas do seu uso, o que faz que em muitos casos seja tónico e noutros seja átono. Temos, por exemplo:
  1. com acentuação no sufixo -ia:

I.°: palavras que designam moléstia ou defeito físico: acardia, afasia, amnesia, anemia, etc.

2.°: palavras que exprimem o estado ou a natureza de qualquer ser: apatia, monadelfia, etc.

3.°: palavras que designam uma acção: flebopexia, flebotomia, etc.

4.°: nomes de ciêncías, artes, doutrinas, em que entram os elementos -grafia, -logia, -nomia, -sofra, -tecnia, etc.: agronomia, filologia, geogra­fia, siderotecnia, teosofia, etc.

  1. sem acentuação no sufixo -ia:

1.°: palavras que designam animais, plantas ou pedras: actínia, arte­mísia, astéria, etc.

2 . : palavras que designam figuras de retórica (é excepção alegoria): antonomásia, metonímia, etc.

3.°: palavras em que o sufixo -ia faz parte de terminações que o uso consagrou como esdrúxulas: prosódia, rapsódia; comédia, tragédia; an­troponímia, toponímia; albuminúria, azotúria; etc.

VII. Considerações finais

Como se infere do que fica exposto, representa êste vocabulário a aplicação de urna técnica filológica sob muitos aspectos nova. Para a cumprir, empregou a Comissão elaboradora o melhor do seu esfôrço.

A cargo dos vogais da Comissão esteve não apenas a classificação geral do «Vocabulário comum» e do «Vocabulário onomástico», mas também a indicação de pronúncias, a indicação das flexões nomínais e a menção de todos os pormenores complementares do registo. Utilizou cada vogal um guia de trabalho, especialmente organizado pelo director.

Couberam ao director, pròpriamente, além de várias colheitas vocabulares, a redacção integral da «Introdução», a elaboração do «Registo de abreviaturas», a indicação das flexões pronominais e verbais e a redacção de todos os artigos, quer do «Vocabulário comum» quer do «Vocabulário onomástico», em que ao registo da palavra e sua classificação se acrescenta doutrina especial.

Reconhece, porém, a Comissão do Vocabulário da Academia que o seu tra­balho poderá receber, em futuras edições, melhorias diversas, particularmente o acréscimo de novas colheitas vocabulares. E reconhece que êste trabalho não seria possível sem a experiência anterior de muitos filólogos eminentes.

Lembra, antes de outro qualquer, o sábio Gonçalves Viana, o maior ortografista português de todos os tempos, a quem se deve, com as páginas eruditíssimas da Ortografia Nacional, com a função de relator na Comissão da Reforma Orto­gráfica de 1911 e com a publicação do Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa, a obra monumental da regularização e simplificação da nossa escrita. Mas cita ainda, com particular reconhecimento, os ensinamentos muito valiosos de outros ortografistas, como Cândido de Figueiredo, Costa Leão, Francisco Torrinha, Augusto Moreno e Xavier Rodrigues, de Portugal, e Ramíz Gaivão, Laudelino Freire, Sousa da Silveira, Antenor Nascentes e José de Sá Nunes, do Brasil.

Lembra também a Comissão, agradecendo-os vivamente, os notáveis auxílios que lhe foram prestados por vários homens de ciência e escritores portugueses : pelos Srs. Prof. David Lopes, P.e Pinto de Carvalho e Dr. Mariano Saldanha, de quem se receberam, muitas informações, de alto valor ortográfico, a respeito de etimologias arábicas, hebraicas e sanscríticas; e por vários ilustres membros da Academia, entre os quais, além do Presidente, Sr. Dr. Júlio Dantas, e do Secretário­-Geral, Sr. Joaquim Leitão, os Srs. Académicos Teixeira Botelho, Queirós Veloso, Cunha Gonçalves, Moses Amzalak, Agostinho de Campos, Paulo Mereia e Quirino da Fonseca, da Classe de Letras, e Egas Moniz, Aquiles Machado, Oliveira Simões, Henrique de Vilhena, Pereira Forjaz, Manuel Peres e Amorim Ferreira, da Classe de Ciências.

Agradecimento muito especial é ainda devido ao Sr. Prof. Dr. Carlos Simões Ventura, da Universidade de Coimbra, e a sua Ex.mª Espôsa, a Sr.ª D.ª Augusta Faria Gersão Ventura. Dêstes dois insignes eruditos recebeu a Comissão do Voca­bulário inúmeras contribuïções lexicais e valiosíssimos esclarecimentos, pelo que lhes rende aqui a sua homenagem.

¡Possa o Vocabulário da Academia, com o muito que aproveita na lição de mestres e com as suas próprias inovações, fixar definitivamente a ortografia por­tuguesa!

CAPÍTULO II

Normas da escrita portuguesa

1. Representação gráfica dos sons

1. Alfabeto:

O alfabeto português consta fundamentalmente de vinte e três letras:

abcdefghijlmnop qrstuvx

Além destas letras, há três que, conforme preceituou a Reforma Ortográfica de 1911, só se usam hoje em casos especiais. São elas k, y e w, com os empregos seguintes:

  • em símbolos ou abreviaturas: K= potássio (em química), kg. (com o qual coexiste qg.)= quilograma, yd. = jarda (ingl. yard), W. (com o qual coexiste oeste, etc.;
  • em palavras estrangeiras, como Byron, Darwin, Kepler;
  • nos derivados portugueses de palavras estrangeiras, como byroniano, dar-winismo, kepleriano, que, todavia, melhor se escreverão, em harmonia com a pro­núncia, baironiano, daruïnismo, quepleriano.

Das letras pròpriamente portuguesas, cinco são vogais: a, e, i, o e u, cada uma das quais, combinada com outras, produz ditongos; as demais são consoantes.

2. Vogais:

Os fonemas vocálicos da língua portuguesa são representados gràficamente por vogais simples ou por vogais acompanhadas de diacríticos. Assim:

I) O a, o e e o o representam vogais abertas em silaba tónica: casa, leve, ovos; vogais abertas em sílaba de tonicidade secundária: claramente, levemente, fortezmente; vogais abertas em sílaba átona: Aveiro, credor, nocturno, palmada, relvado, soldado; vogais fechadas em sílaba tónica (quando se lhes segue nasal e noutros casos): cama, escrevemos, perda, poldro, pomos, todo; e ainda vogais surdas em sílaba átona: abertura, da, devido, me, problema, por.

  • i e ou representam vogais em sílaba tónica: lide, rude; vogais em sílaba de tonicidade secundária: abusivamente, resolutamente; e também vogaís em sílaba átona: imenso, rutilante. Note-se que em casos de dissímilação o i átono vale e mudo: dividir, ministro. E note-se também que o prefixo dis- se confunde, por vezes, fonèticamente com o prefixo des-, embora deva ser sempre bem dístinto dêle gràficazmente : dispersar, distinto, dispêndio, mas desfrutar, destinto (de destingir), des­pender.
  • e tem o valor de i átono em posição inicial (só ou precedido de h), excepto quando seguido de s: emendar, evitar, erguer, herdeiro, herói; e tem-no igualmente antes de vogal: candeeiro, fealdade, meados, semear, teatro. Ao e =i átono dos verbos em -ear corresponde ei nas formas rizotónicas: compare-se o infinitivo semear com semeio, semeias, semeia, semeie, semeies e semeiem.
  • e tónico antes de j, x, ch, lh ou nh (com excepção dos casos como brejo (é), brecha (é), velho (é), etc.), ao passo que representa um e fechado na pronúncía do norte e do centro do país, representa um a fechado na pronúncia do sul: desejo, fecho, mexo, penha, vermelho.

2) O á, o é e o ó representam vogais abertas tónicas que, pelo sistema de acen­tuação gráfica, tenham de levar acento agudo: árvore, épico, louvámos, óptimo, quási.

  • í e o ú representam vogais tónicas que, pelo sistema de acentuação gráfica, tenham também de levar acento agudo: íntimo, inverosímil, túmulo, útil.
  • O â, o é e o ô representam vogais fechadas tónicas ou vogais fechadas de tonicidade secundária que, pelo sistema de acentuação gráfica, tenham de levar acento circunflexo: câmara, lêvedo, sôfrego; espontâneamente, portuguêsmente, tôlamente.
  • O à, o è e o ò representam vogais abertas átonas ou vogais abertas de tonicizdade secundária que, pelo sistema de acentuação gráfica, tenham de levar acento grave: à, mòlhada, prègar; extraordinàriamente, indelèvelmente, òptimamente. O ì e o ù representam vogais de tonícidade secundária que, pelo sistema de acentuação gráfica, também tenham de levar acento grave: intimamente, lúgubre-mente, sofrivelmente, àtilmente.

5) O ã representa uma vogal nasalada, tónica, de tonicidade secundária, ou átona: avelã, irmãmente, órfã.

Os símbolos ~e, "i*, õ e ~u não pertencem à escrita normal da língua hodierna, mas à escrita de palavras arcaicas: ~eader, f~iir, pessõa, ~ua. O õ e o ~u, excepcio­nalmente, também pertencem à escrita de algumas formas antigas ainda populares: bõa e Na.

3. Ditongos:

Os ditongos da língua portuguesa são principalmente representados por simples junções de vogais ou por junções de vogais acompanhadas de diacríticos. Secundà­riamente, são também representados por vogal consoante nasal.

Conforme é o primeiro ou o segundo o lugar ocupado pelo elemento forte, os ditongos classificam-se em descendentes e ascendentes. Cabe, porém, aos descen­dentes maior importância ortográfica. Assim:

  • ai, ei, oi e ui representam ditongos orais em sílaba tónica ou átona: baile, bailio, descai; aldeia, deitado, fazeis; arroio, doidice, foi; fruito (ant.), ruivacento, substitui.

O ditongo ei será escrito êi quando o exija o sistema de acentuação gráfica: plêiade. Por sua vez, ui será escrito úi ou i quando houver igual exigência: argúi, Gùianas.

  • au e eu representam ditongos orais em sílaba tónica ou átona: centauro, despautério, mau; Seleuco, teutão, tresleu.

Serão escritos áu ou àu e êu quando o exija o sistema de acentuação gráfica: áureo, càusticamente, hermenêutica, terapêuticamente.

  • ou representa um ditongo oral, tónico ou átono, que se conserva em falares dialectais, mas que na pronúncia normal está confundido com o fechado: Douro, ourives, vou.
  • iu representa um ditongo oral em sílaba tónica: descobriu, partiu.

Será escrito íu quando o exija o sistema de acentuação gráfica: caíu, retri-

buiu.

  • éi, ói e éu representam ditongos abertos em sílaba tónica, distinguindo-se, portanto, de ei, oi e eu: idéia, papéis; bóia, sóis; mausoléu, véu.

Mudam em sílaba átona, respectivamente, para èi, òi e èu, nos casos em que o requeiram as regras de acentuação: idèiazinha, bòiazinha, vèuzinho.

A propósito do ditongo éi, note-se que a terminação -eia (não -ea, como Gon­çalves Viana grafou no seu Vocabulário Ortográfico) só deve ser adoptada na escrita de hoje quando represente um uso mais ou menos fixo da zona da nossa pronúncia normal. Incluir-se-ão nesta norma as seguintes palavras: altéia, assembléia (com a variação sembléia), boléia, Dorotéia (e anàlogamente o nome comum dorotéia), Dul­cinéia (e anàlogamente o nome comum dulcinéia), Enéias, geléia, idéia, patuléia, e platéia.

Diversamente, adoptaremos a terminação -eia nos casos em que só acidental ou irregularmente se ouça a pronúncia -éia: açoteia, alcateia, Basileia, Crimeia, Galileia, potreia,

São absolutamente injustificáveis, quanto à pronúncia da metrópole da língua, grafias como epopéia, Odisséia, poliantéia, prosopopéia, etc. Em tôdas estas formas, de origem grega, o uso geral e tradicional português requere -eia.

  • ãe e õe representam ditongos nasais em sílaba tónica: capitães, religiões, supõe(s).
  • ão representa um ditongo nasal em sílaba tónica ou átona: irmão(s), rábão(s).
  • ãi (nunca em posição final) e ~ui (só em formas dialectais) representam ditonzgos nasais em sílaba tónica: cãibras, r~ui (=ruim).

O ditongo i de muito não é notado, por se atender, nesta palavra, à fôrça do uso tradicional.

g) am (= ão) representa um ditongo nasal em sílaba átona. É apenas usado em terminações de formas verbais: louvam, louvavam, louvaram.

10) em (=ãi, dialectalmente ~ei ou é), que muda o m em n antes de consoante não labial, representa um ditongo nasal em sílaba tónica ou átona: bem, enquanto, nuvem, paragens.

Será escrito ém, com a variação én, quando o exija o sistema de acentuação grá­fica. E será escrito èn quando também o exija êsse sistema: vintènzinho, vintènzinhos.

4. Consoantes:

Os fonemas consonânticos da língua portuguesa são representados gràficamente de três modos: por consoantes simples, b, c, d, f, g, j, 1, m, n, p, r, s, t, v, x e por digramas consonânticos, ch, gu, lh, nh, qu, rr e ss; e por uma consoante acom­panhada de sinal especial, qual é o caso do ç (c cedilhado).

Há um símbolo que, embora não representando pròpriamente uma consoante, anda, todavia, por motivos de etimologia e de tradição gramatical, ligado ao sistema consonântico: o h.

Eis as principais particularidades gráficas do consonantismo português:

i) b. Representa um fonema labial sonoro.

Normalmente inicial ou medial, é apenas final na preposição sob; nos prefixos ab- e sub-, quando ligados por hífen ao elemento imediato: ab-rogação, sub-director; e nalguns nomes próprios de origem não latina: Jacob, Job, Moab (todos de origem hebraica).

Nestas últimas formas, porém, impõe-se uma escrita que reproduza com maior clareza a pronúncia normal. E por isso devem ser preferidas as grafias Jacó, Jó, Moabe.

  • c. Representa um fonema sibilante surdo, diverso outrora e ainda dialectalzmente de s surdo ou ss, mas hoje igual a êles na pronúncia normal, antes de e ou i: ceder; mereci; e um fonema gutural surdo antes de consoante, a, o ou u: dúctil, pesca, trôco, vínculo.

Em qualquer dos casos o seu emprêgo é rigorosamente determinado pela etimologia.

Raro como letra final, deve ceder o lugar, nessa posição, a uma representação gráfica mais expressiva. Exemplo: Isa(a)c, a que se deve preferir a grafia Isaque.

  • ç. Correspondendo a ci ou ti latinos e a ss arábicos, representa o som sibilante que o simples c não pode representar antes de a, o e u: açafate, aço, açúcar, faço, paço.

Na escrita actual, para simplificação, não se adopta ç em princípio de palavra. Nesta posição, é substituído por s: saloio, soteia, sumagre, etc. Reaparece, porém, etimològicamente, em formas afins destas e de outras palavras, quando deixa de ser inicial: açaloiado, açoteia, açumagrado.

  • ch. Empregado em palavras de origem latina (como representante de cl, pl), mas também em palavras de origem espanhola, francesa, arábica, oriental, etc., representa um som palatal surdo, hoje na pronúncia normal igual a x (outrora e ainda dialectalmente, tx): chave (lat. clave-), chama (lat. flamma-), chuva (lat. pluvia-); chiste (esp. chiste), chulo (esp. chulo), muchacho (esp. muchacho); Cham­panha (fr. Champagne), chapéu (fr. ant. chapel), chefe (fr. chef); alcachofra (de origem árabe); chácara (de origem ameríndia); chávena (de origem chinesa); chimabanda (de origem africana).
  • d. Representa um fonema dental sonoro.

Normalmente inicial ou medial, é apenas final no prefixo ad-, quando ligado

por hífen ao elemento imediato: ad-renal; e nalguns nomes próprios de origem não latina ou latina não imediata: David (de origem hebraica), Madrid (do esp. Madrid< lat. Matriti).

Nestas últimas formas, porém, impõe-se uma escrita que reproduza com maior clareza a pronúncia mais cultivada. E por isso devem ter preferência as grafias Davide (ao lado do ant. e pop. Davi) e Madride.

  • f. Representa um fonema labiodental surdo.

Normalmente inicial ou medial, esta consoante só é final, muito excepcio-

nalmente, na reprodução de certas vozes interjectivas: puf!, uf!

  • g. Representa um som palatal sonoro antes de e ou i: digerível, registo; e um fonema gutural sonoro antes de consoante, a, o ou u: enigma, paga, prego, regular.
  • gu. Representa o fonema gutural sonoro que o simples g não pode repre­sentar antes de e ou i: compare-se entregue com entregar, perseguir com persigo.
  • h. Sem valor fonético, mas apenas gráfico, é empregado em posição inicial sempre que a etimologia o justifique: haver (lat. habere), hediondo (esp. hediondo), ant. heire (lat. heril, hélice (gr. hélix), hibernar (lat. hibernare), homólogo (gr. homólo­gos), horsa (ingl. horse), hosana (hebr. hõshi annā, pelo gr. hosanná, lat. hosanna), hotel (fr. hôtel).

Em interjeições, também se usa inicialmente, ou por exigência etimológica, ou por convenção: hui, hurra, hum.

É, porém, dispensado no início dos elementos -ei, -ás, -á, -emos, -eis, -ão, de futuros reflexivos ou pronominais, e no início dos elementos -ia, -ias, zia, -íamos, -íeis, -iam, de condicionais idênticos, em virtude de estar nêles desvanecida a noção do verbo haver: lavar-me-ei, lavar-me-ia, louvar-te-ei, louvar-te-ia.

É omitido em posição medial: desonra, filarmónica, inábil. Só se emprega em elementos de composição não iniciais quando êles se liguem por hífen ao elemento anterior: compare-se contra-harmonia com» desarmonia, sóbre-humano com inumano.

Abolido como última letra de formas nominais (Judá, rajá, Sara), mantém-se em posição final apenas em formas interjectivas: ah!, eh!, ih!, oh! (interjeição ex­clamativa, diversa de ó, interjeição vocativa), uh!, poh!, puh!

10) j. Representa um fonema palatal sonoro, qualquer que seja a posição: Janeiro, jeito, jibóia, jovem, jui. E, nessa função, não corresponde sòmente a um valor próprio, mas também ao valor que o g não pode ter antes de a, o e u: compare-se fujo com fugir, fuja com fulgir, jubão com a forma básica gibão.

I) 1. Representa um fonema linguodental e pertence ao número das consoantes que se usam nas três posições — inicial, medial e final: livro, militar, Portugal.

  • lh. Representa um fonema linguopalatal: lhama, malha, mulher, palhoça, recolhido, telhudo.
  • m. Representa um fonema nasal labial, mas só mantém o seu valor próprio em princípio de sílaba: mãe, prémio, remar. No fim de sílaba indica a nasalização de um fonema vocálico: amparo, embora, festim, lombo, nenhum.

Indicando nasalização, o m só se emprega antes de b, p ou outro m: ambição, competir, circummurado, comummente, ruimmente. Esta norma é, evidentemente, extensiva ao m do ditongo nasal em: Bemposta, emmentes.

Note-se que deve haver m simples, e não mm, por assim o exigir actualmente a pronúncia normal, nas uniões do prefixo em- a elementos começados por m: emoldurar, emudecer, emurchecer, e não emmoldurar, emmudecer, emmurchecer.

Também deve haver m simples, e não mm, como se tem praticado, nas uniões do prefixo in-, designativo de interioridade ou movimento para dentro, a elementos começados por m: imergir (diferente de emergir), imigrar (diferente de emigrar), imerso (diferente de emerso), e não immergir, immigrar, immerso. O mm, embora justificado pela etimologia, não se justifica pela pronúncia e deve, pois, sofrer redu­ção, como a sofre o mm nas ligações do in- negativo (imaculado, imaturo, imenso), e tal como a sofreram tôdas as consoantes dobradas desnecessárias à pronúncia (bb, dd, 11, pp), etc.

  • n. Representa um fonema nasal dental, mas só mantém o seu valor próprio em princípio de sílaba e quando termina palavra: narz, pequenada, pólen. No fim de sílaba, inicial ou interior, indica, tal como o m, a nasalização de um fonema vocálico: andar, defender, inteiro, pespontar, untar.

Indicando nasalização, o n só se emprega antes de consoante que não seja b, m ou p: conseguir, conduzir, circunnavegação, connosco. É por isso que, não estando antes de b, m ou p, tem de passar a n o m do ditongo nasal em: Benfica, enquanto, homenzinho, homenarrão, senfilista.

Note-se que, tal como não deve haver mm, mas m, nas uniões do prefixo em- a elementos começados por m, também não deve haver nn, mas n, por assim o exigir a pronúncia normal contemporânea, nas uniões dêsse prefixo a elementos começados por n: enegrecer, enevoar, enodoar, e não ennegrecer, ennevoar, ennodoar.

Também deve haver n simples, e não nn, como se tem praticado, nas uniões do prefixo in-, designativo de interioridade ou movimento para dentro, a elementos co­meçados por n: inervação (diferente de enervação), inato (homónimo de inato=«não nascido»), inovar, e não innervação, innato, innovar. O nn, embora justificado pela etimologia, não se justifica pela pronúncia e deve, pois, sofrer redução, como a sofre o nn nas ligações do in- negativo (inegável, inominável, inúmero), e tal como a sofreram tôdas as consoantes dobradas desnecessárias à pronúncia (bb, dd, pp), etc.

15) nh. Representa um fonema nasal palatal: nhàzinha, patranha, ordenhe, renhido, risonho, sanhudo.

i6) p. Representa um fonema labial surdo.

Normalmente inicial ou medial, apenas se poderá tolerar como final nalguma rara voz interjectiva: assim, a voz de origem inglesa hip!, que, contudo, poderia tomar a grafia hipe!

17) qu. Representa o fonema gutural surdo que o simples c não pode representar antes de e ou i: comparezse fique com ficar, retorquir com retrucar.

i8) r. Representa um fonema apical simples entre vogais, em fim de sílaba e depois de consoante que pertença à mesma sílaba: cara, corte, dar, frito, pregado; e um fonema uvular em posição inicial: rato, regra, rigor, rota, ruga.

19) rr. Representa um fonema uvular, que apenas se emprega entre vogaís: carrada, carregar, derriço, serrote, verruma.

Num grande número de casos é o resultado da união de um r inicial a um prefixo terminado por vogal: arrasar, corroer, derrogar, derruir, prorrogar.

20) s. Representa um fonema sibilante surdo em princípio de palavra, depois de outra consoante, se é inicial de sílaba (salvo em poucos casos, como obséquio, transacção), e ainda em grupo com outra consoante: secura, falsidade, observar, prolepse, psicólogo; representa um fonema sibilante sonoro, diverso outrora e ainda

dialectalmente de                 mas hoje igual a êle na pronúncia normal, em posição inter-
vocálica : asa, avise, desistir, formoso, mesura; e representa, finalmente, um som palatal em final de sílaba: casas, consciência, desvendar, substituir, transmitir.

Em qualquer dos casos (a não ser quando substitua ç inicial), o seu emprêgo é rigorosamente determinado pela etimologia. O que faz, por exemplo, que se distinga a terminação zesa de defesa (lat. zensa) da terminação -eza de dureza (lat.

-itia), a terminação -ês de português (lat. -ense) da terminação                            de vez (lat.
-ice), etc.

21) ss. Representa um fonema sibilante surdo, que apenas se emprega entre vogais: assar, messe, messianismo, nosso, pressuroso.

Num grande número de casos é o resultado da união de um s inicial a um prefixo terminado por vogal: assombrar, pressentir, prosseguir, ressentimento, tressuar.

22) t. Representa um fonema dental surdo.

Normalmente inicial ou medial, apenas se poderá usar como final nalguma rara voz interjectiva : pst!, st! Noutras formas vocabulares faz-se sempre acrescenta­mento de e a um t final etimológico :.Calecute, Tibete; do mesmo modo que se substitui por -te todo e qualquer caso de antiga terminação -th: Judite, Rute.

23) v. Representa um fonema labiodental sonoro.

Normalmente inicial ou medial, nunca será tolerável em posição final, devendo acrescentar-se-lhe e quando seja última letra de uma forma etimológica: Telavive, e não Telaviv.

24) x. Representa fonemas diversos. Assim:

  1. um fonema linguopalatal, valor que é o único em princípio de palavra, mas que se exemplifica também em sílabas interiores : xadrez, xenofobia, Xenofonte; anexim, deixar, praxe;
  2. um fonema duplo, cs, valor que tanto se exemplifica no interior como no fim de palavra: anexar, conexão, fixo, Pólux, tórax;
  3. um fonema sibilante sonoro, igual a s sonoro, valor que ocorre em qualquer dos prefixos de forma ex- (=is e eis), quando se lhes siga vogal, e no prefixo exo-, quer mantenha íntegra a vogal final quer a perca diante de outra: exacto, exame, exegese, êxodo, ex-oficial (cf. também epexegese, inexacto, reexaminar); exocardite, exoftalmia, exótico;
  4. um fonema sibilante surdo, igual a ss: auxílio, próximo, sintaxe;
  5. um fonema palatal, igual a s em fim de sílaba, valor que ocorre em ex- de origem latina (= eis), quando se lhe siga consoante, nas sílabas interiores termi­nadas em ex (=eis), e ainda em final de palavra: experiência, explanar, ex-pro­fessor; contextura, sexto, texto; Félix, Fénix, flux.

Para simplificação da escrita deve-se empregar s, em vez de x, no final de sílabas interiores cuja vogal não seja e: justàlinear, misto, Sisto (portanto, Capela Sistina), e não juxtalinear, mixto, Sixto.

25)                 Representa um fonema sibilante sonoro em posição inicial ou medial:

azêdo, açougue, gelar; e um fonema palatal, igual a s, em posição final: arroz,

Em qualquer dos casos, o seu emprêgo é rigorosamente determinado pela eti­mologia. O que faz, por exemplo, que haja inicial como representante de grego ou latino, espanhol, etc.; medial como representante de grego ou latino, c e ti

latinos, ss arábicos, etc.; e final como representante de c latino e ss ou                     arábicos.

26) Consoantes em grupo:

  1. Tal como se substituíram tôdas as consoantes dobradas desnecessárias à pronúncia, assim também se substituíram todos os grupos etimológicos ou pseudo­-etimológicos em que entrava h sem função diacrítica por simbolizações mais simples e mais racionais. Assim:

bh por b: aborrecer;

dh por d: aderir;

ch por qu antes de e ou i e por c nas demais posições : quelonite, qui-

romante; carácter, corografia, técnica;

gh por g: sirgo;

ph por f: filosofia, fotografia, triunfo;

rh por r: retórica, rinocerote, romboedro;

rrh por rr : catarro, diarreia, Pirro;

th por t: éter, teatro, termómetro.

  1. Os grupos etimológicos em que uma consoante é muda sofrem, em prinzcípio, a eliminação dessa letra. Assim:

o grupo sc-, de origem grega ou latina, passa a c: celerado, cena, ciência, cintilar, ciografia;

2.º: os grupos cç, ct, pç, pt, e ainda outros, como gd, gm, gn e mn, perdem em muitos casos a primeira letra: condução, produção, satisfação (cç — c); aflito, autor, praticar, produto, reflito (apesar de reflectir), tratar (ct — t); Assunção, presunção (pç — c); assunto, presuntivo, pronto (pt—t); Madalena (gd — d); aumento (gm—m); Inácio, Inês, sinal (gn— n); condenar, dano, sono (mn—n).

  1. Diversamente dos casos anteriores, não sofrem eliminação :

i.°: as consoantes que facultativamente se profiram, embora sejam usualmente mudas: carácter, caracteres, característico, dáctilo, héctico, sintáctico;

2.°: as consoantes que, embora mudas, influam no valor de uma vogal precedente (tornando-a aberta), o que sucede num grande número de casos em que o c e o p estão em grupo com g, c sibilante ou t, e são precedidos de a, e ou o: acção, activo, actor, adoptar, adopção, baptiar, contracção, direcção, director, espectáculo, excepção, excepcional, exceptuar, leccio­nar, lectivo, percepção, recepção, receptor, rectidão, reflectir:

3.°: por natural analogia, as consoantes mudas que, embora não in­fluindo no valor de uma vogal precedente, pertençam a palavras que estejam em afinidade directa com outras em que se dê essa influência. Assim se esta­belecem correlações gráficas como as seguintes :

acção -- activo: acto;

adopção-- adoptar: adopto;
excepção — exceptuar: excepto.

NOTA. - Observe-se que a palavra cetro dispensa p, porque está fora da norma anterior. O haver ceptrífero e ceptrígero não faz que haja ceptro: êsses compostos são importações recentes, representam directa­mente os lat. sceptrifer e sceptriger e t~eem, por isso, p, que deve soar; a palavra simples é importação antiga ao latim, em que o p deixou de soar, como em excerto.

Registe-se ainda que se deve escrever absorção, em vez de absorpção: sendo mudo o p e tendendo a generalizar-se, em virtude da influência de absorver, a pronúncia sem o aberto, não convém outra grafia. Por absorção se hão-de regular absorciometria, absorciométrico e absorciómetro.

II. Acentuação gráfica

A acentuação gráfica é indicada : 1) por três sinais especiais : o acento agudo (´), o acento circunflexo (^) e o acento grave (`); 2) por um sinal que faz secundàriamente as vezes de acento : o til (~). Eis as normas que devem regulá-la :

1. Acento agudo:

Êste sinal deve ser empregado :

i) nas palavras oxítonas que terminem por a, e ou o abertos, seguidos ou não de s: alvará(s), jacaré(s), partirá(s), pó(s), só(s), etc.

Ficam, evidentemente, abrangidas nesta norma as formas reduzidas dos infini­tivos em -ar: louvá-lo, respeitá-lo-ei, tratá-lo-ia, etc.

2) nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta, i ou u na sílaba tónica,

  • que terminem por a, seguido de consoante que não seja m nem s (cf. choram, lutas): açúcar, Aníbal, dólman, ímpar, tórax, etc.

3) nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta, i ou u na sílaba tónica,

  • que terminem por e, seguido de consoante que não seja m nem s (cf. nuvem, aves) ou de grupo consonântico que não seja ns (cf. nuvens): amável, éden, éter, fórceps, índex, etc.

É de notar que os prefixos inter-, hiper-, nuper- e super-, quando não aglutinados aos elementos imediatos, dispensam, apesar de paroxítonos, o acento agudo, por apenas serem elementos prefixais, sem vida à parte na língua: inter-resistente, hiper-secreção, nuper-falecido, superzalimentação, etc.

4) nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta, i ou u na sílaba tónica,

  • que terminem por o seguido de consoante que não seja s (cf. casos, livros): cólon, démon, Quéops, Sólon, sóror, etc.

5) nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta, i ou u na sílaba tónica,

  • que terminem por i ou u, seguidos ou não de consoante : álbum, Félix, júri(s), mártir, Pólux, portátil, quási, quipúndi, Vénus, vírus, etc.

É de notar que o elemento de composição novi-, quando não aglutinado ao elemento imediato, dispensa, apesar de paroxítono, o acento agudo, por apenas ser forma compositiva, sem vida à parte na língua: novi-classicismo, novi-clássico, novi-latino, etc.

6) nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta, i ou u na sílaba tónica

  • um ditongo oral na última sílaba: ágeis, feríeis, jóquei, tiráreis, túneis, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal aberta na sílaba tónica e que terminem em -ão(s) ou 4(s): acórdão, órfão(s), órfã(s), Sátão, sótão(s), etc.
  • nas palavras paroxítonas dissilábicas que tenham vogal aberta na sílaba tónica e que estejam em homografia com dissílabos átonos: pára (do verbo parar), péla (forma de vários substantivos femininos e do verbo pelar), pélo (do verbo pelar), péra (elemento do composto péra-fita), pólo (forma de vários substantivos mas­culinos), com acento agudo por haver para (preposição), pela (aglutinação da pre­posição per e do artigo ou pronome la), pelo (aglutinação da preposição per e do artigo ou pronome lo), pera (forma antiga da preposição para), polo (aglutinação da preposição por e do artigo ou pronome lo).

g) nas palavras proparoxítonas que tenham vogal aberta, i, u ou ditongo aberto na sílaba tónica: árvore, áugure, húmido, lépido, tímido, etc.

10) nos ditongos tónicos éi, éu e ói, que se distinguem gràficamente de ei, eu e oi: anéis, assembléia, céu, clarabóia, Estói, etc.

  • nas terminações tónicas -ém e -éns de dissílabos e polissílabos: alguém, armazém, parabéns, Santarém, também, etc.

São abrangidas nesta norma as formas da 2.ª e 3.ª pessoas do singular do pre­sente do indicativo e da 2.ª pessoa do singular do imperativo, quer sós quer com­binadas com pronomes enclíticos, dos compostos de ter e vir: contém, conténs, convém, convéns, detém-lo, etc.

  • na terminação -ámos (em ligação com o pronome -lo, -ámo), da 1.ª pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos em -ar, a qual se distingue gràficamente da terminação -amos (em ligação com o pronome -lo, -amo) de igual pessoa do presente do indicativo dos mesmos verbos: amámos, amámo-lo, facultámo-vo­-lo, etc.
  • nas vogais tónicas i e u, de palavras oxítonas e paroxítonas, que sejam distintas de uma vogal anterior: aí, caíres, conteúdo, faísca, faúlha, juízes, Raúl, saúde, Vermoíl, etc.

Ficam, evidentemente, abrangidas nesta norma as formas reduzidas dos infini­tivos em -air e zuir: atraí-lo, atribuí-lo, contraí-lo-ei, distribuí-lo-ia, etc.

Constituem excepções os casos em que uma vogal tónica i ou u, precedida de um fonema vocálico, seja seguida de m, n, r, ou que não iniciem outra sílaba, ou ainda de nh. Nestes casos, o i e o u dispensam o acento agudo, cuja falta não prejudica a clareza gráfica: ainda, Coimbra, constituinte, demiurgo, distribuindo, distribuir, distribuirdes, rainha, rai, ruim, saindo, sair, sairdes, etc.

  • nas vogais tónicas i e u, de palavras oxítonas e paroxítonas, que se sigam imediatamente a um ditongo: auí, baiúca, bocaiúva, Piauí, tauísmo, etc.
  • nos ditongos tónicos iu e ui que convenha diferençar gràficamente de uma vogal anterior: atraiu, contribuiu, paúis, etc.
  • na vogal tónica u e no ditongo tónico ui que não formem grupo com um g ou q anterior: apropinqúe, argúi, averigúe, delinqúi, etc.
  • na terminação -oo(s) (por motivo de clareza gráfica), quando ela tenha o tónico aberto: Aquelóo, Eóo, Maróos, etc.

2. Acento circunflexo:

Êste sinal deve ser empregado:

i) nas palavras oxítonas que terminem por e ou o fechado, seguidos ou não de s: avô, mercê(s), português, pôs, revê(s), etc.

Ficam, evidentemente, abrangidas nesta norma as formas reduzidas dos infini­tivos em -er e -or: escrevê-lo, impô-lo, movê-lo-ei, propô-lo-ia, etc.

  • nos monossílabos que tenham vogal fechada, seguida de r ou e que estejam em homografia com outros monossílabos: côr, fêz, môr (redução de amor, na locução prepositiva por môr de), pôr, com acento circunflexo por haver cor, fez, mor, por.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e que terminem por a, seguido de consoante que não seja m nem s (cf. deveram, movas): Almodôvar, âmbar, bômbax, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e que terminem por e, seguido de consoante que não seja m nem s (cf. mentem, sentes) ou de grupo consonântico que não seja ns (cf. pentens, pl. de pentem): alâmbel, alâmel, certâmen, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e que terminem por o, seguido de consoante que não seja s (cf. tolos): cânon, plâncton, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e que terminem por i ou u, seguidos ou não de consoante: ânus, bômbix, pênsil, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e um ditongo oral na última sílaba: escrevêsseis, fôsseis, pênseis, etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham vogal fechada na sílaba tónica e que terminem em -ão(s): bênção(s), Estêvão, ângão(s), etc.
  • nas palavras paroxítonas que tenham e ou o fechado na sílaba tónica e que estejam em homografia com outras palavras: apêrto, côrte, dêmos, enfêrmo, espôsa, interêsse(s), pôrto (igualmente Pôrto), Rebêlo, sôbre, transtôrno, com acento circun­flexo por haver aperto, corte, demos, enfermo, esposa, interesse(s), porto, rebelo, sobre, transtorno.

É de notar que o emprêgo do acento circunflexo por homografia, coincidindo com um emprêgo idêntico do acento agudo, produz em certos casos uma cadeia homográfica:

  • pelo — pélo — pêlo;
    pera—péra— pêra;
    polo — pólo — pôlo.

Não devem ser adoptadas — convém observá-lo — homografias como abôno (substantivo masculino) e abono (do verbo abonar), extrêmo (adjectivo e substantivo masculino) e extremo (do verbo extremar), etc. Nestes casos, em que a sílaba tónica está seguida de nasal, a pronúncia normal portuguesa não faz distinção de timbre vocálico. Portanto: abono (ô), seja forma verbal ou substantivo masculino; extremo (ê), quer o adjectivo e substantivo masculino quer a forma verbal; etc.

10) nas palavras proparoxítonas que tenham vogal fechada ou ditongo fechado na sílaba tónica: câmara, brônzeo, côvado, esplêndido, plêiade, etc.

t) na primeira parte dos advérbios em zmente que se formem de adjectivos com acento circunflexo: esplêndidamente, ôcamente, portuguêsmente.

  • na primeira parte dos derivados com infixo e sufixo (zinho,-zito,

etc.) que se formem de palavras com acento circunflexo: avózinho, dendêzeiro

(de dendê), mercêzita, ôvozinho, pêssegozinho, etc.

  • nas formas têm e vêm (coexistentes com t~eem e vêem) da 3.8 pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos ter e vir, as quais, com o acento cirzcunflexo, se diferençam gràficamente das formas homófonas tem e vem da 3.ª pessoa do singular; e idênticamente nas formas compostas detêm, intervêm, mantêm, provêm, retêm, sobrevêm, etc. (coexistentes com detêem, intervêem, mant~eem, provêem, ret~eem, sobrevêem, etc.), as quais, com o acento circunflexo, também se distinguem das correspondentes formas homófonas da 3.a pessoa do singular, detém, intervém, mantém, provém, retém, sobrevém.

Importa notar que a forma antiga, monossilábica, da 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo do verbo dar e as formas antigas, igualmente monossilábicas, da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos crer, ler e ver andam, por vezes, incorrectamente escritas com acento circunflexo. Desde que essas formas não estão em homofonia com outras dos mesmos verbos, deixam de exigir acenztuação e ficam, assim, nas mesmas condições que qualquer monossílabo terminado por zem. Conseqüentemente: dem, crem, lem, vem (cf., por exemplo, «Quantos rostos ali se vem sem côr» em Os Lusíadas, iv, 29, i), exactamente como bem, tem, vem do verbo vir, etc.

Importa notar ainda que a antiga forma dissilábica da 3.8 pessoa do plural, amiúde usada pelos escritores de Quinhentos, do presente do conjuntivo do verbo estar, também anda incorrectamente representada pela grafia estêm. Não sendo essa forma homófona de outra do mesmo verbo, o acento circunflexo não se justifica e o que vale é a regra da acentuação dos oxítonos dissilábicos ou polissilábicos de terminação -em. Portanto: estém, como aquém, Jerusalém, também, ou corno as for­mas verbais contém, mantém, sobrevém, etc.

14) na terminação -oo(s) (por motivo de clareza gráfica), quando ela tenha o tónico fechado, e na terminação zeem de diversas formas verbais (por igual motivo): abençôo, môo, vôo(s), etc.; crêem, dêem, vêem, etc.

3. Acento grave:

Êste sinal, que não indica pròpriamente uma acentuação absoluta, mas uma acentuação dependente (em próclise), uma acentuação secundária (em derivados), certas aberturas vocálicas e ainda particularidades menores, deve ser empregado:

i) nas formas proclíticas à e às, contracções da preposição a e de flexões de artigo ou pronome demonstrativo, e idênticamente nas formas ò e òs, contracções de ao e aos.

De acôrdo com estas formas, o uso do acento grave deve estender-se à reprezsentação de várias contracções populares (tôdas proclíticas) de palavras invariáveis e formas de artigo ou pronome demonstrativo:

  1. cò, cà, còs, càs (desdobráveis em que ò, que à, que òs, que às), con­tracções da conjunção comparativa ca (antiga e popular) e o, a, os, as;
  2. comò, comà, comòs, comàs, contracções de coma (antigo e popular = como) e o, a, os, as;
  3. prò, prà, pròs, pràs, contracções de pra (redução da preposição para) e o, a, os, as.
  4. todò, contracção do pronome indefinido todo e do artigo o, sob a influência de tôda a=tôdà.

É evidente que, se se pretender levar mais longe, em reproduções da fala popular, a representação de contracções dêste género, o critério ortográfico terá de ser o mesmo. Assim: contrò= contra + o, contròs= contra ± os, etc.

  • na primeira parte dos advérbios em -mente que se formem de adjectivos com acento agudo: diàriamente, fàcilmente, sòmente, etc.
  • na primeira parte dos derivados com infixo e sufixo (-zinho,

-zudo, etc.) que se formem de palavras com acento agudo: avòzinha, batèizinhos (de batéi-(s)), cafèzal, chapèuzito, chàzada, chàzeiro, chàzista, màzona, pèorro, pèzudo, vintènzinho (de vintém), vintènzinhos [de vintén(s)]; làpizinho [de lápi(s)], sàvelzinho, sòtãozinho; chàvenazinha, chicarazinha, tùmulozinho, etc.

  • nos dissílabos e polissílabos que tenham uma vogal aberta na sílaba protó-nica e que estejam em homografia com palavras onde a vogal da sílaba protónica seja surda: àsinha (diminutivo de asa), mòlhinho (diminutivo de molho), pègada, prègar, règulado, com acento grave por haver asinha (antigo), molhinho (diminutivo de môlho), pegada, pregar, regulado.

Pode, todavia, dispensar-se o acento grave num caso como reganhar (à), forma homógrafa de reganhar, em virtude de se ajustar, normalmente, à grafia de um infinitivo simples a do seu composto com re-: como ganhar, assim reganhar.

Observe-se que o acento grave, empregado em homografia, pode ser determinado por uma palavra que, por sua vez, esteja em homografia com outra. Neste caso, estabelece-se uma cadeia homográfica:

àcêrca — acêrca — acerca;
àquêle — aquêle — aquele;

àquêles aquêles — aqueles.

  • nas palavras que tenham uma vogal aberta em sílaba final e que estejam em homografia com palavras onde a vogal da última sílaba seja surda: avè, salvè, com acento grave por haver ave, salve.
  • no ditongo átono ui (por clareza gráfica), quando seja preciso distingui-lo de um g anterior: Gùiana, gùianês, etc. Cf. o emprêgo do acento agudo no ditongo tónico ui (argúi, delinqúi, etc.).

Escrever Guïana ou Güiana, guïanês ou güianês, como fazem alguns lexicó­grafos, é prática inadmissível. O trema, sinal próprio da diérese, sugere nesses casos uma separação de vogais, que não existe, de facto, na nossa pronúncia normal.

4. Til:

O til, que é pròpriamente um sinal de nasalização (v. adiante o parágrafo res­pectivo), vale como acento, fundamental ou secundário, nos seguintes casos :

i) nas terminações tónicas -ão(s), -ã(s), -ãe(s) e --õe(s): irmão(s), louçã(s), mãe(s), sacristães, põe(s), etc.

  • na primeira parte dos advérbios em -mente que se formem de adjectivos em que o til sirva de acento: cristãmente, irmãmente, sãmente, etc.
  • na primeira parte dos derivados com infixo e sufixo (-zinho, -dito, fiada,
    -zeira,
    etc.) que se formem de palavras em que o til sirva de acento: irmãozinho, irmãzita, mãozada, oraçõezinhas [de oraçõe-(s)], pãezinhos [de pãe-(s)], pão-romãzeira, etc.

OBSERVAÇÕES :

I) Com excepção das formas infinitivas em -ar, -er, -or, -air e -uir, as quais, combinadas com o pronome -lo e suas flexões, recebem (menos pôr, que já a tem) acentuação especial (cf. amá-lo, devê-lo, propô-lo, subtraí-lo, usufruí-lo), nenhuma forma verbal sofre, ao combinar-se com palavras enclíticas, alteração no tipo de grafia que tem independentemente : damos-te, deram-no-los, há-de, oferecíamo-vo-lo, reconhecêramos-lhe, etc.

2) O emprêgo de acentos por homografia exige que se atenda a alguns casos particulares.

É de considerar, por exemplo, o caso de dêle e dêles, contracções da preposição de e dos pronomes pessoais êle e êles, os quais se escrevem com acento circunflexo, por estarem em homografia com as flexões dele e deles, do verbo delir. Apesar do valor mais teórico do que prático destas flexões (que, todavia, bem podem vir a ser correntes na linguagem literária), devem elas fundamentar a acentuação de dêle e dêles, porque formas que tenham na língua a freqüência destas carecem de consis­tência gráfica e não devem depender, para efeitos de acentuação, do uso maior ou menor, mas da legitimidade, dos seus homógrafos. Acresce o haver nas grafias dêle e dêles uma vantagem de equilíbrio ortográfico: a vantagem prática de ficarem duas séries homográficas em harmonia com outras séries morfològicamente afins :

dêle — dele;

dêles — deles;

exactamente como

nêle —nele;

nêles — neles;

  • em perfeito paralelo com

êle —ele;

êles -- eles.

Outro caso a notar é que as formas hipocorísticas de antropónimos, quando em homografia, devem ser consideradas, para efeitos de acentuação, como quais­quer outras formas vocabulares. Assim: escreveremos Lêta (hipocorístico de Julieta)

  • Nêta (hipocorístico de Antonieta), por estarem em homografia com leta (feminino de Teto, adjectivo e substantivo masculino, correlativo do etnónimo Letos) e neta. E óbvio, todavia, que se dispensará num hipocorístico acentuação especial, quando
  • seu homógrafo tenha pronúncia variável: a forma Lena (hipocorístico de Helena), que soa com e fechado, não será marcada com acento circunflexo, para se distinguir de Lena (hipocorístico de Madalena), porque esta forma soa variàvelmente, com e fechado ou aberto.

Êstes casos particulares e os casos comuns, atrás expostos, mostram que o em­prêgo de acentos por homografia tem grande extensão na escrita portuguesa. Dever­zse-á, contudo, para simplificação ortográfica, considerar à parte dêsse sistema todos os homógrafos em que o uso de acento desfaria a grafia comum a um determinado tipo de flexão, isto é, a grafia habitual de uma terminação ou desinência. Nesta ex­cepção serão abrangidas as seguintes categorias de palavras:

  1. flexões em -esa (ê), -eses (ê), zesas (ê). Escrever-se-á, por exemplo, inglesa, ingleses, inglesas, tal como se escreve francesa, franceses, francesas, apesar de se admitir inglesa (é), ingleses (é), inglesas (é), do verbo
  2. femininos em -essa (ê), -essas (ê). Escrever-se-á abadessa e abadessas, tal como se escreve condessa e condessas, apesar de se poder conjecturar abadessa (é)
  • abadessas (é), do verbo abadessas.

Notezse, a propósito, que uma forma masculina condesso (ê), deduzida de conzdessa, se deve harmonizar gràficamente com êste feminino, sem atenção a uma teórica forma condesso (é), do verbo condessas.

c) plurais em -ezes (ê). Escrever-se-á vezes e remes (elemento substantivo), apesar de se admitir vezes (é), do verbo vezar, e revezes (é), do verbo revezar.

É certo que plurais dêste tipo não são vulgares em português. Sendo, entre­tanto, teòricamente admissíveis e ocorrendo até literàriamente plurais de nomes abstractos em (cf. insensatezes, nudezes, etc.), a terminação -ezes, que dispensará normalmente o acento circunflexo, deve também dispensá-lo em homografia.

  1. femininos em -ora (ô), -oras (). Escrever-se-á, por exemplo, editora e editoras, pastora e pastoras, tal como se escreve encantadora e encantadoras, professora e professoras, não obstante se admitir, pelo menos teòricamente, editora (ó) e editoras (ó), do verbo editorar, pastora (ó) e pastoras (o), do verbo
  2. plurais em -ores (6). Escrever-se-á, por exemplo, açores (igualmente Açores, topónimo) e penhores, tal como se escreve admiradores, esplendores, embora haja açores (ó), do verbo açorar, e penhores (ó), do verbo

Se, porém, se escrevem diversamente formas como côres, plural de côr, e redôres, plural de redôr, é porque nestes casos tanto o singular como o plural estão em homografia (cf. cores e cor, redores e redor), e convém harmonizar gràficamente as formas dos dois números.

  1. formas infinitivas em -er (ê). Escrever-se-á colher, à maneira de todos os infinitivos portugueses em -er, embora haja colher (é), substantivo feminino.
  2. formas nominais e verbais em -enes (ê). Escrever-se-á, seres, substantivo masculino plural, e seres, forma do infinitivo pessoal de ser, do mesmo modo que se escreve deveres, haveres, fazeres, sem importar a existência do etnónimo Seres (é).
  3. formas de ª pessoa do plural em -emos (ê). Escrever-se-á lemos, assim como se escreve cremos, escrevemos, vemos, embora exista o antropónimo Lemos (é).

Se, todavia, se escreve dêmos, conjuntivo do verbo dar, é porque neste caso há duas formas em homografia dentro de um mesmo verbo, dêmos e demos (é).

  1. formas de perfeito em -este (ê) e -estes (ê). Escrever-se-á creste e crestes, leste e lestes, como tôdas as " pessoas do singular e do plural dos perfeitos dos verbos em -er, apesar de haver creste (é) e crestes (é), do verbo crestar, leste (é), substantivo masculino, lestes (é), plural de leste (na acepção de «ventos de leste»), e lestes, adjectivo.
  2. formas de perfeito em -eve (ê) Escrever-se-á esteve, em harmonia com teve, e tal como se escreve, por exemplo, creve, forma arcaica do perfeito de crer, apesar de se admitir esteve (é), do verbo

0 formas de mais-que-perfeito em -era (ê) -eras (ê), -era (ê), -eram (*ê). Escre­ver-se-á, por exemplo, acolhera, acolheras, acolhera, acolheram, do verbo acolher, de acôrdo com a grafia de todos os mais-que-perfeitos de verbos em -er, não obs­tante os teóricos acolhera (é), acolheras (é), acolheram (é), do verbo acolheras.

III. Outras simbolizações

Além dos sinais com que representa a acentuação gráfica, a escrita portuguesa emprega em funções diacríticas particulares dois sinais: o til (—) e o trema ("). Eis os valores e os usos de um e de outro:

1. Til:

Êste sinal serve para indicar a nasalização. Na escrita actual é empregado nos seguintes casos:

  • nas terminações tónicas -ão, -ã e -ãs de formas nominais ou ver-
    bais e ainda de formas infiexivas: coração, deverão, irmãos, irmã, romãs, senão, tão, etc.

Nestes casos, como já se viu, o til vale também como acento tónico.

  • nas terminações átonas -ão, -ãos, -ã e -ãs de formas nominais: Cristóvão, Estêvão, órfã, órfãs, sótão, ângão, etc.
  • nas terminações tónicas -ãe, -ães, -õe e -ões de formas nominais ou verbais:

capitães, feijões, mãe, põe, pões, sabichões, tabeliães, etc.

Nestes casos, como já se viu, o til vale também como acento tónico.

  • no ditongo interior ãi: cãibas, cãibeiro, cãimbra, etc.
  • no ditongo rd de certas formas dialectais: rui, variação de ruim.

É de notar que as formas muito e mui, por serem de uso tradicional, dispensam

o til no ditongo ui (fonèticamente, ~ui).

  • nas sílabas nasaladas das formas verbais põem, t~eem e vêem e nas sílabas correspondentes das formas compostas dispõem, mantéem, sobrevêem, etc.
  • num ou noutro caso de vogal nasalada não final: ãatá.

Na escrita de formas arcaicas e de algumas formas antigas que são ainda populares, o til representa, como é sabido, muitas outras nasalizações, particular­mente de vogais iniciais e interiores : alg~ua, bõa, ~eader, louça, lisa, pessõa, sãar, etc.

2. Trema:

O trema é o sinal da diérese. Na grafia portuguesa emprega-se sôbre as vogais i e u: ou para indicar que o i e ou são distintos de um fonema vocálico anterior, ou para indicar que o u não forma grupo com uma consoante. Assim temos os se­guintes casos :

i) São tremados o i e o u que não formem ditongo com uma vogal precedente:

coibir, deicida, distraidamente, faiscar, Luïsinho, miüdamente,                peugada,
saudade,
etc. E não apenas o i e o u em posição pretónica, mas também etn posição postónica : drúïda.

  • São tremados o i e o u átonos que se sigam imediatamente a um ditongo: abaiücar, auïqui, auïti, caiüá, caiümá, cauïxi, etc.
  • É treinado o u que não forme grupo com as consoantes g e q: agüentar, argüição, consangüinidade, freqüente, Tarqüínio, ubiqüidade, etc. E não apenas o u em posição pretónica, mas também em posição postónica : ângüis.

As vogais seguidas de m, n ou r que não iniciem outra sílaba, e ainda as vogais seguidas de nh dispensam, quando átonas, o trema, do mesmo modo que, quando tónicas (desde que não estejam em palavras esdrúxulas), dispensam o acento agudo: coimbrão (cf. Coimbra), campainhada (cf. campainha), esmiunçar (cf. miunça), ruin­dade (cf. ruindo, do v. ruir), teurgia (cf. teurgo), etc.

Convém notar que o uso de gü e não se deve estender aos casos que não correspondam rigorosamente à pronúncia normal portuguesa. Escrever-se-á, por exemplo, antiguidade, bilingue, equivaler, e não antigüidade, bilingue, eqüivaler, como às vezes se pratica.

IV. Sinais auxiliares da escrita

A. Sinais auxiliares da escrita das palavras : 1. Hífen:

É muito variado o emprêgo do hífen na escrita portuguesa. Devemos sistema­tizá-lo nas seguintes normas fundamentais:

1) O hífen liga as formas vocabulares constitutivas de palavras compostas em que se mantenha a noção da composição: arco-íris, baixo-alemão, couve; flor, guarda­-chuva, pé-de-meia, etc. Entram nesta regra não só, como nos exemplos precedentes, formas plenas, mas também formas fonèticamente reduzidas: bel-prazer (bel-=belo), és-sueste (és-=este), mal-pecado (mal-=arc. malo), su-sueste (su-=sul), etc.

Se, porém, se perdeu no composto a noção da composição, faz-se a aglutinação gráfica das formas vocabulares que o constituem: bancarrota, girassol, pontapé, etc. É evidente que a perda dessa noção pode ser devida a não ter um dos elementos vida à parte na língua: clarabóia.

Ligando as formas vocabulares que entram em compostos, o hífen não deve, todavia, ligar elementos de locuções, seja qual fôr a categoria a que elas pertençam, porque as locuções não constituem, como as palavras compostas, unidades semànticas. Escreveremos, por exemplo: cara de caso (locução substantiva), azul escuro (locução adjectiva), nós outros (locução pronominal), mal haver (locução verbal), à parte (locução adverbial), por isso (locução adverbial), em cima de (locução prepositiva); e não cara-de-caso, azul-escuro, nós-outros, mal-haver, à-parte, por-isso, em-cima-de. Só, por conseguinte, as combinações vocabulares que formem verda­deiras unidades semânticas e sejam, ipso facto, verdadeiros compostos é que exigem, de rigor, o emprêgo do hífen.

O critério com que se usa o hífen em compostos do vocabulário comum é, evidentemente, extensivo aos compostos do vocabulário onomástico. Razão por que deveremos escrever: Côrte-Real (antropónimo), Estrada-de-Santiago (astrónimo), Santa-Rosa (antropónimo), Sem-Pavor (prosónimo), Todo-Poderoso (hierónimo), etc. E razão por que devemos também ligar por hífen todos os elementos de topó­nimos que sejam verdadeiros compostos: Áustria-Hungria, Cabo-Verde, Figueira-Proença-a-Nova, Vila-Real-de-Santo-António, etc.; casos êstes diversos de Alto Ribatejo, Costa dos Somalis, Entre Douro e Minho, etc., os quais são todos locuções toponímicas e, portanto, como quaisquer locuções do vocabulário comum, se não escrevem com hífenes.

Note-se que, quando uma parte de um composto, escrita em abreviatura, se reduz tão-sõmente a uma letra e ponto, pode dispensar o hífen. Exemplos: S. Fran­cisco = Sã-o-Francisco, S. Paulo-de-Luanda = Sá-o-Paulo-de-Luanda, V. N.-de--Milfontes=Vila-Nova-de-Milfontes, etc.

2) O hífen é empregado, por motivos de estrutura fonética ou valor morfoló­gico particular, e ainda por motivos de clareza ou expressividade, depois de vários prefixos e elementos de composição de natureza nominal. Devemos abranger nesta regra os seguintes casos:

a) hífen exigido pela estrutura fonética.

É o caso dos prefixos pré- e pós-, que t~eem acento próprio: pré-histórico, pós-

-plioceno, etc.

Observe-se, a propósito, que pré- e pós-, da mesma origem que os prefixos

pre- e pos-, mas dêles diversificados fonèticamente, pedem com rigor o acento agudo, que os equipara a outros prefixos com acentuação gráfica (cf. além-, aquém-, recém-, trás-), e não o acento grave, que, em sílaba final, se reserva na escrita portuguesa para outros casos.

  1. hífen exigido pelo valor morfológico particular.

Estão neste caso muitos elementos de composição de natureza nominal (adjec­tiva), como anglo-, greco-, infero-, latino-, luso-, postero-, supero-, etc., quando te­nham individualidade morfológica, o que sucede sempre que são seguidos de ele­mentos morfològicamente individualizados: anglo-normando, greco-latino, histórico­-geográfico, ínfero-anterior, latino-cristão, lusitano-castelhano, luso-brasileiro, luso­-franco-britânico, póstero-superior, súpero-interior, etc.

É de notar que os elementos dêste género podem representar plenamente uma forma adjectiva, como sucede nos exemplos supra-citados, mas podem também ser redução de um adjectivo: austro-africano (austro-= australiano), dólico-louro (dólico- = dolicocefalo), euro-asiatico (euro- = europeu), telégrafo postal (telégrafo-=telegráfico), etc. Apesar da redução, não se perde, em casos tais, a individualidade morfológica, justificativa do emprêgo do hífen.

Diversamente de todos êstes casos, escreveremos, por exemplo, checoslovaco (como Checoslováquia), iberocelta (=celtibero), indo-chinês (como Indochina). A aglu­tinação gráfica. dos elementos, em vez da sua ligação por meio de hífen, explica-se por nêles se perder a noção da composição (visto não designarem distintamente dois povos, mas uma comunidade étnica), ao contrário de compostos que, em hipótese, exprimissem coisas relativas a Checos e Eslovacos, a Iberos e Celtas, a Índios e Chineses, e que se grafariam checo-eslovaco, ibero-celta, indo-chinês.

Ainda a propósito, observe-se que a norma adoptada nos compostos como greco-latino, lusitano-castelhano, etc., não é extensiva, de modo algum, a compostos como electro fisiológico, fisiopatológico, gastroduodenal, termomagnético, etc., nos quais por vezes se junta hífen aos primeiros elementos. Só estaria certa esta grafia, se tais elementos (meros representantes de temas nominais gregos) tivessem indivi­dualidade morfológica. Mas não a t~eem, de facto: esta, como é óbvio, só a possuem elementos que procedem de formas com uso independente, tal como lusitano-, assente no adjectivo lusitano, ou que procedem de formas etimològicamente correlativas de outras com uso independente, tal como greco-, assente no lat. graecus= grego.

  1. hífen exigido por clareza fonética ou expressividade gráfica.

É o caso dos prefixos ante-, contra-, extra-, infra-, sobre-, etc., quando, em função de regência indirecta (isto é, regendo pelo sentido a palavra de que o elemento imediato derive ou com a qual semânticamente se relacione), se liguem a um ele­mento começado por vogal, h + vogal, r ou s: ante-socrático, contra-harmónico, extra-uterino, infra-hepático, sôbre-renal, etc.

E o caso também de prefixos como contra-, infra-, ultra-, quando, em função diversa da de regência indirecta, se liguem a elementos começados por idênticos fonemas: contra-senha, infra-oitava, ultra-existência, etc.

E é o caso ainda de vários prefixos terminados em consoante, os quais, sem o hífen, seriam gràficamente imprecisos, como sub- seguido de b, ou poderiam provocar más leituras, como bem- e mal- antes de vogal, ab- e sub-, quando fonèticamente distintos de um r imediato, e outros: ab-rogar, bem-aventurado, mal-avindo, sub-borato, sub-rogante, etc.

Não se deve considerar dentro desta norma o prefixo des-, quando seguido de s. Embora o seu s possa ainda, num ou noutro uso local ou individual, soar distin­tamente do s imediato, importa uni-los gràficamente, porque tende a generalizar-se a união dos dois num único fonema sibilante surdo, igual a qualquer caso de ss. Portanto, escrever-se-á: dessaber, dessedentar, dessolar, etc.

d) hífen exigido por expressividade de sentido.

É o que sucede com vários prefixos ou elementos de composição que t~eem

evidência semântica particular. Há esta evidência em vários casos:

1.°: quando um prefixo, empregado no seu sentido mais vulgar, está em função de regência directa: ante-câmara, contra-peçonha, extra-muros, entre-pilastras, sôbre-soleira, etc.;

2.°: quando um prefixo se emprega em sentido particularmente vivo, como é o caso de ante- no sentido de «preliminarmente», contra- no sentido de «em oposição» ou «em contrário», etc.: ante-projecto, ante-proposta, contra-mandado, contra-revo­lução, etc.

3.°: quando a parte vocabular a que o prefixo ou elemento de composição se liga tem individualidade morfológica, como acontece, por exemplo, com, o prefixo semi- e com os elementos auto-, neo-, novi-, pan-, pseudo-, etc.: auto-retrato, neo-latino, novi-clássico, pan-americano, pseudo-etimológico, etc.;

4.º: quando um prefixo ou elemento de composição se emprega em sentido particularmente vivo, como é o caso de anti- no sentido de «em oposição», arquie proto- no de «principal» ou «chefe», hiper- e super- no de «excessivamente» ou «em grau superior», etc., e ao mesmo tempo é seguido de um elemento morfològicamente individualizado: anti-papa, arqui-sátrapa, hiper-secreção, proto-notário, super-homem, etc.

NOTA: Os casos em que o hífen se segue a um prefixo ou a um elemento de composição são minuciosamente indicados através dêste vocabulário.

  • O hífen liga pronomes, séries de pronomes e contracções de pronomes aos verbos de que dependem, quando se empreguem enclìticamente: amá-lo, devo-a, entregam-se-nos, ofereceram-vo-lo, trouxeram-lho, etc.
  • O hífen pode ser empregado na ligação de um nome próprio a um elemento qualificativo, quando entre êste e aquêle se interpõe urna forma de artigo: Carlos­-o-Calvo, Luís-o-Germânico, Etiópia-a-Alta, Plínio-o-Moço, Plínio-o-Velho, etc.

Neste caso, o emprêgo do hífen faz as vezes de um emprêgo da vírgula, que, todavia, também é normal e corrente: cf. Fernando, o Católico; Joana, a Doida; Pedro, o Cru; etc.

Quanto a casos em que o uso do hífen é inconveniente, v. o parágrafo sôbre o travessão.

2. Apóstrofo:

Êste sinal serve para representar a supressão de uma letra ou letras de que se faz uso na escrita normal. Está, porém, limitado o seu emprêgo.

Usa-se principalmente na poesia, para indicar uma supressão necessária à métrica: côr's, c'roa, esp'rança (ou 'sp'rança), q'rido, 'star, vir's, etc. E tem cabimento não apenas no verso moderno ou actual, mas igualmente na escrita actualizada do verso antigo, tôdas as vezes que, sem êle, a medida não seja clara. Cf., por exemplo, Sá de Miranda, soneto «Aquelas esperanças», v. 10:

Não hav'rá de si dó, não fará conta...;

e cf. ainda Gil Vicente, Auto Pastoril Português, v. 49, onde o apóstrofo, que de outro modo seria descabido, chamará a atenção para o nenhum valor métrico da primeira sílaba do pronome átono enha (d'enha=d'nha):

E d'enha mãe: eu herdarei...

Mas pode também ser usado, em prosa ou em verso, quando se queira repro­duzir com êle algum caso de pronúncia popular. Assim: S, Tónio = Senhor António, 'tá= está, etc.

Notar-se-á, todavia, que a utilização do apóstrofo, quer na poesia quer na prosa, não deve aplicar-se àquelas supressões fonéticas que constituam um uso geral e constante da linguagem falada. Nestes casos é preferível representar a supressão pela simples omissão da letra respectiva, e não pelo apóstrofo: pra (=para), em vez de p,ra; plo (= pelo), em vez de p,lo; etc.

OBSERVAÇÕES:

i) Limitado o emprêgo do apóstrofo, entende-se que não se representam por êste sinal, segundo o preceituado pela Reforma Ortográfica de 1911, «as demais elisões, que no decurso da fala ou da escrita se costumam fazer». Escreve-se

de altura, de oito, de Albuquerque, e não d,altura,                                   d'Albuquerque; do
mesmo modo que se escreve cidade antiga, vinte e oito, conde Alberto, e não cidad'antiga, vint'e oito, cond'Alberto.

A propósito, convém notar ainda:

  • Não haveria grande inconveniente em usar o apóstrofo, para representar a elisão do e da prep. de, nos compostos como borda-d'água, copo-d,água, etc. Mas é preferível, como simplificação da grafia, escrever o de na sua forma plena e ligá-lo por hífen ao elemento imediato: borda-de-água, copo-de-água, etc. O hífen, ligando morfològicamente o segundo elemento ao terceiro, como o primeiro ao segundo, em nada obsta a que êles se liguem fonèticamente.
  • Porque se tornaram unidades fonéticas e de sentido, dispensam o apóstrofo, sem desvantagem, formas como as seguintes: destarte, homessa, tarrenego, vivalma.

Igualmente o dispensam os nomes próprios Santana e Santiago, que alguns escrevem Sant'Ana e Sant,Iago, porque em ambos, além de se terem contraído os dois elementos, se perdeu a noção da composição.

  • É acertado dispensar o apóstrofo no caso de Nun'Álvares, em que há a fusão fonética de dois antropónimos. O nome do Santo Condestável, quando não se es­creva plenamente Nuno Álvares, deverá antes escrever-se Nunálvares, à maneira do que outrora se praticou, porque só assim se reproduz perfeitamente a unidade fonética respectiva.

Teremos do mesmo modo, por exemplo, Pedrálvares= Pedr(o) Álvares e Pedreanes= Pedr(o) Eanes, velhas grafias que cumpre restaurar.

  • Não é necessário o apóstrofo nos casos em que as prep. de e em precedam um artigo que faça parte de um título. Embora a contracção se dê vulgarmente nestes casos, convém, para não aumentar o uso daquele sinal e ao mesmo tempo se não perder a evidência do artigo, separar o artigo da preposição. Escreveremos, pois, regularmente : de «Os Lusíadas», de «O Século», em «Os Lusíadas», em «O Século»; e não d,«Os Lusíadas», d' «O Século», n'«Os Lusíadas», n'« O Século».
  • De acôrdo com a limitação do uso do apóstrofo, constituem uma unidade vocabular, à maneira das formas do, da, dos, das, ou no, na, nos, nas, várias contracções das prep. de e em com pronomes pessoais, demonstrativos, indefinidos, e com palavras invariáveis. Não devem, porém, entrar neste número as contracções que não sejam absolutamente fixas na pronúncia portuguesa : essas tôdas serão es­critas sem a fusão dos elementos.

Teremos, portanto, de uma parte :

  1. dêle, dela, deles, delas, e nêle, nela, nêles, nelas; dêste, desta, dêstes, destas, disto, e neste, nesta, nestes, nestas, nisto; dêsse, dessa, dêsses, dessas, disso, e nesse, nessa, nesses, nessas, nisso; daquele, daquela, daqueles, daquelas, daquilo, e na­quele, naquela, naqueles, naquelas, naquilo; num, numa, nuns, numas (coexistentes com em um, ); nalgum, nalguma, nalguns, nalgumas, nalguém (coexistentes com em algum, etc.); noutro, noutra, noutros, noutras, noutrem (coexistentes com em outro, etc.);
  2. daqui, daí, dali, donde, dantes (= noutro tempo), Teremos de outra parte:
  3. de um, de uma, de uns, de umas, e não dum, ; de algum, de alguma, de alguns, de algumas, de alguém, de algo, de algures, e não dalgum, etc.; de outro, de outra, de outros, de outras, de outrem, e não doutro, etc. ; de ambos, de ambas, e não Bambos, Bambas;
  4. de aquém, de além, de acolá, de ora (avante), de outrora, e não daquém,

7) Quando uma forma de artigo, pronome ou advérbio, precedida de uma pre­posição com a qual costume contrair-se, faça parte de uma oração de infinitivo, con­serva-se, para não perder a necessária evidência, separada da preposição. Exemplos:

em virtude de os livros não serem bons; a fim de êles compreenderem; por causa de ali morarem.

B. Sinais auxiliares da escrita da frase:
1. Sinais de pontuação:

Cumpre observar um preceito especial, quanto às interrogações e exclama­ções: — Sempre que uma oração ou frase interrogativa ou exclamativa exceda cinco palavras, é conveniente que a preceda, na forma invertida, para que ela seja devidamente entoada, o ponto de interrogação ou de exclamação. Eis dois exemplos em versos de Camões (respectivamente, de uma écloga e de um soneto):

¿Nesta imaginação estás gastando
O tempo e a vida, Almeno?

¡Doce sonho, suave e soberano,

Se por mais longo tempo me durara!

Quanto aos outros sinais de pontuação, ou sejam a vírgula, o ponto final, o ponto e vírgula, os dois pontos e as reticências, nenhuma inovação apresenta a escrita actual.

  1. Parênteses:

Servem êstes sinais, como é sabido, para encerrar um elemento frásico ou frase que se interponha num período, mas cujo sentido esteja à parte dêle ou não lhe seja essencial.

Deve notar-se uma particularidade de grafia a que obriga o seu emprêgo : Quando uma pausa coincida com o início de uma construção parentética, o res­pectivo sinal de pontuação passará para diante dos parênteses. Exemplo : Se mais mundo houvera (disse-o Camões), lá teriam chegado os Portugueses.

  1. Travessão:

Tem êste sinal empregos vários : faz as vezes do parêntese; antecede no diálogo, para as distinguir, as falas de cada interlocutor; realça a palavra ou palavras a que se anteponha. Mas cabe-lhe ainda outra função, que é a de ligar palavras ou grupos de palavras que formem, por assim dizer, uma cadeia na frase.

É freqüente, neste caso, o uso do hífen pelo travessão. Do que resultam incon­venientes : o hífen, entre duas palavras, pode dar a idéia de uma composição; ha­vendo uma palavra que já de si, por ser composta, tenha um ou mais hífenes, a ligação de palavras por hífen pode tornar obscura a grafia.

O travessão, ao contrário, evita qualquer idéia de composição e é sempre ele­mento de clareza gráfica. Exemplos: a linha Pôrto—Lisboa, a carreira aérea Lisboa—Nova-Iorque, o percurso Lisboa—Caldas-da-Rainha---Leiria, a Compa­nhia Amélia Rey Colaço—Robles Monteiro.

  1. Aspas ou comas:

Segundo o uso consagrado, põem-se entre aspas as citações, os títulos de obras, trechos, etc. (que, todavia, na escrita vulgar podem ser sublinhados e na tipografia, cor­respondentemente, impressos em itálico), e ainda quaisquer palavras dignas de realce.

V. Emprêgo das inicials maiúsculas

É de grande importância o emprêgo das maiúsculas em princípio de palavra. Faz-se nos seguintes casos:

1) nas formas onomásticas (v. o cap. I). Não apenas em formas onomásticas simples, mas também nos elementos de locuções ou expressões congéneres.

Portanto: do mesmo modo que se escrevem com maiúscula os nomes quali­ficativos (prosónimos) Africano, Conquistador, Germânico, Grande, Sem-Pavor, assim também se escrevem com maiúscula as expressões (prosonímicas) De Boa Memória, Príncipe Per feito, Rainha Santa; tal como os nomes mitológicos (mitó-nimos) Afrodite, Júpiter, Osíris, Vénus, Zeus, assim as expressões (mitonímicas) do género de Campos Elísios; tal como os nomes sagrados (hierónimos) Alá, Deus, Jeová, Providência, Ressurreição, assim as expressões (hieronímicas) Espírito Santo, Nosso Senhor, Sagrada Família; tal como os nomes geográficos (topónimos) Costa­-Rica, Minas-Gerais, Nova-Lisboa, Rio-da-Prata, São-Paulo (S. Paulo), assim as expressões (toponímicas) Alto Alentejo, Beira Alta, Costa do Sol; tal como os nomes astronómicos (astrónimos) Boieiro, Escorpião, Estrada-de-Santiago, Sagitário, Sete-Cabrinhas, assim as expressões (astronímicas) Estrêla Polar, Ursa Maior, Via Láctea; tal como os nomes cronológicos (cronónimos) Agôsto, Brumário, Ela-febólion, Ramadão, Xebate, assim as expressões (crononímicas) do tipo de Idade Média; tal como os nomes de festividades (heortónimos) Bacanais, Carnaval, En­trudo, Panateneias, Targélias, assim as expressões (heortonímicas) do género de Grandes Panateneias.

  • nos designativos de nacionalidade, raça ou naturalidade, que se agreguem a um antropónimo : Amato Lusitano, Leão Hebreu, Vieira Portuense, etc.
  • nos nomes de vias e lugares públicos: Avenida de Rio-Branco, Couraça de Lisboa, Praça de S. Pedro, Rua de Cedofeita, Terreiro do Trigo, etc.
  • nas formas pronominais que se refiram a nomes sagrados e bem assim na­queles com que certas altas personalidades (papas, reis, etc.) se refiram a si pró­prias: amemo-Lo (—Deus) sôbre tôdas as coisas; prestemos-Lhe (= a Deus) inal­terável culto; veneram—Na (=Nossa Senhora) milhões de homens; adoremos Aquêle (= Cristo) que nos salvou; venha a nós o Vosso (= de Deus).Reino; os Nossos (= do Papa) irmãos cardeais; êste Nosso (= de um rei) alvará; etc.

Quando num emprêgo dêste género, um pronome se contraia com uma par­tícula ou com outro pronome, seguir-se-á uma de duas normas:

  1. se o segundo elemento fôr integralmente visível na contracção, man­ter-se-á nela a inicial maiúscula : a felicidade que nÊle (= em Deus) encon­tramos; a suavidade que dEla (=de Nossa Senhora) emana; o culto dAquele que é a lua do mundo (= de Deus); acreditamos nO que morreu pelos ho­mens (= em Cristo); êsse milagre revelou-mO (= revelou-me Deus); etc.;
  2. se o segundo elemento não fôr integralmente visível, caberá a inicial maiúscula à contracção inteira: tôda a veneração se deve A que é a Mãe de Deus (= a Nossa Senhora); louvor Àquela que é a padroeira de Portu­gal (=a Nossa Senhora da Conceição); etc.
  • em palavras de uso epistolar às quais, por deferência ou respeito, se queira dar realce: Meu bom Amigo, Meu caro Colega, Meu estimado Mestre, Minha querida Mã-e, etc.
  • nos axiónimos, isto é, nas formas corteses de tratamento ou expressões de reverência (v. o cap. I), quer sejam substantivos, quer adjectivos, quer locuções de natureza pronominal: Dom (D.), Doutor (Dr.), Senhor (Sr.); Digníssimo (Dig.mo), Meritíssimo (Mer.mo), Reverendíssimo (Rev.ma); Sua Eminência (S. E.), Sua Majes­tade Fidelíssima, Vossa Alteza Sereníssima; etc.

Deve notar-se, a propósito,, que a maiúscula dos axiónimos obriga a escrever sempre com maiúscula as formas ou grupos de formas nominais que lhes estejam imediatamente ligadas, ainda que não sejam axiónimos: Dom (D.) Abade, Ex.ma Reitor, Senhor (Sr.) Almirante, Senhor (Sr.) Capitão de Mar e Guerra, Se­nhores (Srs.) Passageiros, a Senhora (Sr.a) sua Mãe, Meritíssimo Jui, Reveren­díssimo Arcebispo Primaz, Sereníssima República, Sua Alteza Real, Sua Majes­tade Britânica, etc.

  • nos nomes que designem altos conceitos políticos, religiosos ou nacionalistas: Estado, Igreja, Nação, Raça, etc,

Note-se que língua = língua pátria, idioma = idioma pátrio e português = lín­gua portuguesa, quando empregados com especial relêvo, entram nesta categoria e f~eem, portanto, direito à inicial maiúscula: a Língua, o Idioma, o Português.

  • nos nomes que designem artes ou disciplinas: Arquitectura, Educação Física, Filologia Portuguesa, História de Portugal, Pintura; e naqueles que sintetizem, em sentido elevado, as manifestações do engenho ou do saber : Arte, Ciência, Cultura.

9) nos nomes que designem elevados cargos, dignidades ou mandos: Almirantado, Cardeal Patriarca, Govêrno, Ministro da Educação Nacional, Sub-Secretário de Estado da Guerra, etc.

10) nos nomes de corporações ou agremiações: Academia das Ciências de Lisboa, Assembléia Nacional, Nova Arcádia, Sociedade de Geografia, União Nacional, etc.

11) nos nomes de escolas de qualquer espécie ou grau de ensino: Colégio das Artes, Escola Superior Colonial, Faculdade de Letras, Ginásio do Estado, Instituto Industrial, etc.

  • nos nomes de repartições públicas: Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, Inspecção do Ensino Particular, Ministério da Fazenda, Presi­dência do Conselho, Tesouro do Estado, etc.
  • nos nomes de edifícios e estabelecimentos públicos ou particulares: Banco Nacional Ultramarino, Imprensa Nacional, Ninho dos Pequeninos, Teatro de S. Carlos, Tipografia Rolandiana, etc.
  • nos títulos de livros, jornais, revistas, etc.: Amor de Perdição, Diário de Notícias, Revista Lusitana, etc.
  • nos nomes de factos históricos e de outros factos importantes: Centenário da Fundação e da Restauração de Portugal, Descobrimentos, Interregno, Questão Coimbrã, Reforma Ortográfica, etc.
  • nos nomes de grandes actos solenes e de grandes empreendimentos públicos: Exposição do Mundo Português, Festa da Raça, Glorificação da Língua Portuguesa, etc.                                                      •

OBSERVAÇÕES:

  • É óbvio que uma categoria onomástica impõe a regra da inicial maiúscula a quaisquer casos secundários que se regulem pelo seu modêlo. Assim: à semelhança dos antropónimos, escrevem-se com maiúscula os nomes de animais, quando personificados (Cigarra, Formiga, Lôbo), e igualmente os nomes que vulgarmente damos aos animais domésticos (Fiel, Mondego, Pilôto).
  • Não seguem a regra da inicial maiúscula (o que já se viu em exemplos prece­dentes) as formas de artigo, as partículas monossilábicas e ainda as contracções de partículas monossilábicas com formas de artigo, quer liguem elementos de um composto onomástico, quer elementos de uma locução ou expressão com maiúsculas iniciais: Albergaria-a-Velha, A-Vê-lo -Mar, Freixo-de-Espada-à-Cinta, A Cidade e as Serras, Costa do Sol, Presidente da República, etc.

3) Os elementos de compostos do vocabulário comum que representem formas onomásticas só mant~eem a inicial maiúscula, se a acepção onomástica se não des­vanece na composição; no caso contrário, recebem inicial minúscula. Exemplos: além-Atlântico, aquém-Pirenéus, sem-Deus; água-de-colónia, _maçã-de-adão, rosa-da­-china; etc.

VI. Divisão silábica

A divisão silábica marcada pelo hífen (que, neste caso, mais pròpriamente deve ter o nome de «linha divisória»), assenta num princípio fundamental:—Faz-se, de regra, pela soletração, e não pelos elementos constitutivos da palavra. Exemplos:

ads- | trito, bi- savô, circuns- tância, de- senganar, des- | crição,        | narmónico,
obs- truir, subs- | crever, su- búrbio, tre- santontem,
etc.

Ainda que, nalguns casos, pode uma sílaba soletrada ser também sílaba etimológica, o que conta sempre para a divisão silábica é a soletração: abs- 1 tracto, carac- I terístico, des- tronar, excep- 1 ção, óp- timo, projec- | çâo, reflec- I tir, sus- | ter, etc.

Entenda-se que, para a soletração e, portanto, para a passagem de linha, se consideram ligados a uma vogal imediata os grupos consonânticos que possam iniciar palavras portuguesas, e bem assim aqueles que sejam fonèticamente análogos a uma letra que inicie sílabas ou a um grupo que inicie palavras. Quere dizer: coincidindo com êles a divisão, passam à segunda linha os grupos bl, br, ch, cl, cn, cr, ct (quando soe por inteiro), dl, dr, 11, fr, ft, gl, gm, gn, gr, lh, mn, nh, pl, pr, ps, pt (quando soe por inteiro), tl, tr, vl, vr; igualmente passam à segunda linha os grupos e cc = (quando soem por inteiro), por serem idênticos a um valor do x em início de sílaba; os grupos e pc =pç (quando soem por inteiro), por serem idênticos a ps; e o grupo tn, por ser semelhante a tm; mas não já assim os grupos bd, bj, bs, bt, bv, dv, etc., que se devem bipartir. Exemplos: ara- | cnídeo, bi- | blioteca, co- gnoscível, da- | ctilógrafo, di- fteria, eru- ptivo, exem- plificar, hi- | psométrico; torrai- I pção, é- | tnico, fr-i- | ccionar, iné- pcia, se- cção; ab- | jurar, ab- I sorvente, ad- vertência, sub- dividir, sub- vencionar, etc.

A soletração, como base de divisão silábica, só não é considerada nos seguintes casos, que se fundam em razões de clareza:.

1) nos casos em que se juntam duas consoantes iguais. Quando isto se dá, faz-se a separação, porque o contrário daria uma geminação em princípio de linha,

  • que é inadmissível: cor- | roborar, des- | sedentar, impres- | sionável, subter- | râneo, etc.
  • nos vocábulos que comecem por ex e vogal, ou em que um elemento principie pelas mesmas letras, quer o ex represente o prefixo latino ex-, quer o prefixo grego ex-, quer o prefixo grego exo-. Nestes casos, quando a divisão caia na altura do e, o x ficará com o e na mesma linha: ex- | actidão, ex- | egese, ex- | ógeno; epex- | egético, inex- | acto, reexaminar; etc.

Se passasse para a linha imediata, não seria logo claro, como convém, o seu valor

de               porque um x em princípio de linha ou vale ch, como em princípio de palavra
(cf. pra- | xista), ou cs (cf. paro- | xismo), ou ss (cf. sintá- xico).

  • nos vocábulos compostos em que os elementos se liguem por hífen. Nestes casos, quando um elemento ocorra no fim de linha, não se atende à soletração, mas à composição, quere dizer, a divisão da palavra (ainda que possam coincidir sílabas de soletração e sílabas de composição) faz-se sempre pelos elementos;
  • o hífen, para maior clareza, repete-se no princípio da segunda linha: hiper-dcidez (cf. hipe- | restesia), sub- | -oficial (cf. su- balterno), super- | -homem (cf. supe- rintendente), etc.; do mesmo modo que dou- 1 -lhe, guarda- | -vento, pé- | -de-meia (ou pé-de- | -meia), vêem- 1 -se-lhe (ou vêem-se- | -lhe), Vila- | -Real, etc.

Se se atendesse à soletração, perder-se-ia em muitos casos a evidência dos elementos, com grande prejuízo para a expressividade gráfica.

4) nos casos em que duas vogais distintas, ou uma vogal e um ditongo, ou um ditongo e uma vogal sejam consecutivos. Em casos dêstes, tal como nas vogais em ditongo (a | mei | gar, ar !rui | vado, ar | güi | cão, en | deu | sado, e | qüi | distante, fre | qüen | te), ou como nas séries de vogais em que a primeira é muda (des | qui | tar, es | gue | delhado, fa | guei | ro, re | quei | mar), nunca se desfaz a seqüência: distân- 1 cia, fami-1 liar, frá- | gua, meia, moi- | nho, poei- | cento, re- | vêem, vôo,

  • não distânci-|a, famili-|ar, frágu-|a, mei-|a, molinho, po-|eirento, revê-| em, vô-|o. O contrário, embora permitisse a soletração, prejudicaria a clareza gráfico­-fonética e faria, muitas vezes, que uma única vogal ficasse isolada do resto da palavra.

CAPÍTULO III

Comentários ortográficos

á. Não costumam os dicionários e os vocabulários dar ao nome da letra a represen­tação adequada. Em geral, o que fazem é indicar o nome da letra com ela própria.

Contudo, a representação normal só pode ser uma: á. Do mesmo modo que o nome de e se escreverá é e o nome de o se escreverá ó. E ter-se-á isso em conta na grafia de vários compostos: á-bê-cê, á-é-i-ó-u, á-xis (ant.) e bê-á-bá.

alvíssaras. ¿Tem esta palavra como étimo o ár. al-bixāra, «recompensa que se dá a quem traz uma boa nova»? Resulta antes do cruzamento dessa forma e de al-buxrā, «boa nova», o que explicaria a divergência prosódica entre al-bixāra, grave, e a forma portuguesa, esdrúxula? Seja como fôr, do que não parece haver dúvida é da grafia com ss, que em qualquer dos casos se recomenda, em vez da grafia com ç.

Ao xine arábico corresponde directamente x, que, por sinal, encontramos na forma arcaica e ainda quinhentista alvíxara. Mas a correspondência com ss não é estranha, porque, como nota Gonçalves Viana na Ortografia Nacional, pág. 113, «o s peninsular foi representado pelo xin (ξ) não só nas aljemias, mas ainda na escrita de textos arábicos em que figuravam nomes da Península Hispânica». Demais, não obstante o espanhol ter albricias e não obstante a grafia com ç ocorrer em quinhentistas, a grafia com ss tem maior antiguidade (Fernão Lopes, por exemplo, escreve alvíssera na Crónica de D. Pedro) e conta ainda com exemplos no século xvi: há alvíssaras na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto; e até Duarte Nunes do Leão, de quem se cita um emprêgo de aluí para na Origem da Língua Portuguesa, escreve alvíssara Crónica de D. Afonso IV.

anedota. De acôrdo com a origem, escrever-se-ia anecdota. Mas o c tornou-se inútil, por não soar.

Admitir anécdota, com o c mantido e a acentuação corrigida, é artifício supérfluo. Essa forma não corresponde a nenhuma realidade de uso oral ou escrito.

ânsia. Por inadvertência, esta palavra foi escrita, durante muito tempo, com c. O étimo, que é o lat. anxia-, só consente s, também fixado no esp. ansia, no fr. ant. ainse e no it. ansia.

No mesmo caso de ânsia está ansiedade, que representa o lat. anxietas.

antecipar. Há quem tenha preferido a grafia anticipar, a favor da qual pesariam estas razões: estar de acôrdo com o lat. anticipare (onde ante- passou a anti-); ser abonada por antigos autores; e ter a preferência do nosso Morais, que a adopta como base de artigo. É, porém, antecipar grafia consagrada pelo uso moderno, apoiada em natural influência fonética e semântica do pref. ante- e beneficiada até por não se igualar de aparência aos compostos de anti-.

apesar. A locução prepositiva apesar de tem sido escrita a-pesar-de, por influência do Vocabulário Ortográfico de Gonçalves Viana. Mas neste caso é conveniente restaurar a tradição gráfica portuguesa.

Dispensaremos o uso de hífen, porque não deve haver hífen em locuções. E restabeleceremos a soldagem de a e pesar, porque êstes elementos formam uma unidade adverbial em que se perde a idéia da composição.

Biscaia. Alguns ortografistas preferem, por mais condizente com a origem, a grafia Bicaia. Esquecem-se de que um em fim de sílaba e seguido de consoante destoa, há muito, dos nossos hábitos ortográficos, por ter deixado de convir à índole da nossa fonética. Compare-se, por exemplo, o actual mesquita com o arc. mesquita e note-se, a propósito, que também não escrevemos azteque, mas asteque.

cardeal. É arbitrário diferenciar ortogràficamente cardeal, nome de ave, e cardeal, nome de planta, de cardial = «prelado do Sacro Colégio» e cardial= «prin­cipal». Tal distinção não a consente a etimologia.

Tanto o substantivo com o sentido de «prelado» como o adjectivo com o sen­tido de «principal» derivam do lat. cardinale-. Ora, a representação do i latino por e, de que o esp. cardenal dá paralelo, é neste caso suficientemente atestada pela tradição gráfica portuguesa, que outra grafia não consente senão cardeal.

Por sua vez, tem e o nome de ave, em virtude de depender daquele substantivo : assenta numa metáfora, devida à associação da côr vermelha da ave com a púrpura cardinalícia.

O nome de planta, finalmente, deve vir de idêntica metáfora e tem, por isso, a mesma grafia.

cardial, sim, mas adjectivo recente e erudito, que quere dizer «relativo à cárdia».

cinqüenta. A série etimológica relativa a esta palavra é a seguinte: quinquaginta> cinquaginta (forma latino-vulgar dissimilada, com c gutural) >cinquaenta (arc.) >cinqüenta. Era, pois, errónea a antiga escrita cincoenta, usada por influência de cinco.

Cleópatra. É caso controverso de acentuação e, portanto, de grafia. Não o seria com rigorosa análise etimológica.

Cleópatra representa uma palavra grega cuja penúltima sílaba é breve de natureza. Com efeito, o gr. Kleopátrē assenta no nome masculino Kleópatros, formado de kléos «glória» e patr «pai». E a respeito da quantidade breve do a de patr não há dúvidas (cf. o lat. păter).

Passando ao latim, ē dava normalmente Cleopătra, acentuado na ante-penúltima sílaba. Mas é justamente a forma latina, na qual se deve basear a representação portuguesa, que dá origem a controvérsia. Alega-se a favor de uma acentuação Cleopatra o ser Cleopātra — diz-se — a correcta prosódia latina, ensinada em dicionários.

Que se passa, afinal, em latim? Isto, muito simplesmente, que bons dicionaristas, como Benoíst e Goelzer, não deixam de consignar: há duas pro­sódias, Cleopătra e Cleopãtra. Cada uma deve ter, portanto, o seu valor especial.

A prosódia Cleopătra será a natural, porque assim o exige o étimo grego e porque não compreenderíamos condições prosódicas diferentes em nomes de idêntica estrutura. Teríamos, de um lado, Cleopātra<Kleopăttrē; de outro lado, por exemplo,. Antipăter — Antipătri (cf. o port. Antípatro) < Antipătros.

A prosódia Cleopātra, ao contrário, será artificial, poética, e o seu registo só deverá traduzir a possibilidade de emprêgo na poesia. Na verdade, o que convém ter presente neste caso é uma liberdade muito aproveitada pelo verso romano. Dispondo do recurso de fazer longa, se a Métrica o exigia, uma vogal breve seguida de oclusiva + r, os poetas latinos fazíam isso mesmo a Cleopătra, tanto mais que, pela sua estrutura quantitativa (Cléópătră), essa palavra não era inserível, sem a longo artificial na penúltima sílaba, em várias séries métricas, nomeadamente na principal, o hexâmetro dactílico. E é curioso que os empregos poéticos conhecidos consistem todos na prosódia Cleopātra, o que deve ter contribuído para se fazer fé só pela poesia, sem atenção à liberdade ou artifício prosódico.

  • A propósito de Cleópatra, há quem cite um verso de Camões (Os Lusía­das, III, 141, 6), onde se emprega a forma Cleopatra (trissilábica). Para estar neste emprêgo a correcta acentuação, como pensou Gonçalves Viana (Ortografia .Nacional, pág. 153), era preciso que Cleopātra representasse, e não representa, a prosódia latina natural. Mas também não deve ver-se no exemplo camoniano, como vêem alguns filólogos, mera reprodução da prosódia poética latina. Prati­cante, como foi, da diástole em tantos nomes próprios clássicos, não precisava Camões, para usar Cleopatra por Cleópatra, de cingir-se apenas ao verso romano: ainda que dêle se lembrasse, regularia aquela forma por uma licença consagrada.

Por tudo, em suma: Cleópatra, com rigoroso acento agudo na ante-penúl­tima sílaba.

com + o, artigo ou pronome. Há em português as seguintes contracções, que con­vergem tôdas na mesma forma: da preposição com e do artigo o; da mesma pre­posição e do pronome o, demonstrativo masculino; e da mesma preposição e de outro pronome o, demonstrativo neutro. Dá-se o caso, porém, de receberem ge­ralmente grafias imperfeitas. Assim: co'o e c,o, esta última já averbada por Morais, embora apenas referida a com + artigo o.

Ora, a boa grafia só pode ser uma: aquela que, numa só sílaba e sem apóstrofo (também não escrevemos d,o, mas do), represente perfeitamente a contracção. Adoptando-a, não faremos mais do que seguir o uso dos clássicos, do próprio Camões, que nos dá exemplos como êstes:

E co seu apertando o rosto amado...

(Os Lusíadas, II, 43).

Voar co pensamento a tôda a parte...

(Ibid., VIII, 89).

Mas tu me dá que cumpra, ó grão Rainha
Das Musas, co que quero à nação minha.

(Ibid., x, 9).

Às contracções de com + o juntam-se as combinações da mesma preposição com as flexões de o artigo e de o pronome demonstrativo. Mas também nestas combinações, iguais nos dois casos, se praticam grafias imperfeitas —co'a, co'os ou c'os, co,as--, em vez das únicas que convéem: para as combinações com flexões femininas, singulares ou plurais, grafias que representem a perfeita aglutinação dos dois elementos; para as combinações com flexões masculinas plurais, grafias que representem convenientemente uma contracção. Do que também não faltam exemplos nos nossos clássicos, como sejam os seguintes:

co sol, coa despesa, coa jornada...

(sá. de Miranda, soneto «Aquelas esperanças»:
coa dissilábico e monossilábico).

  • Cos panos e cos braços acenavam....
    (Os Lusíadas, I, 48).

Cos que tinham então a egípcia terra...

(Ibidem, m, 9).

...soía a dizer

Coas letras que se não dana...

(Sá de Mirandª, Cartas, 01, est. 6).

'Convém fixar todos êstes acertos, ortogràficamente importantes. Embora as combinações referidas sejam alheias à escrita comum (usadas às vezes em prosa antiga, nunca se generalizaram), conservam, todavia, valor ortográfico, porque o serem formas oralmente vivas lhes assegura usos especiais: uso em poesia, como tão amiúde sucedeu no verso quinhentista; e uso em prosa, quando porventura se queira reproduzir linguagem oral.

codesso. Quando não seja êste vocábulo, são os seus derivados, quer do vocabulário comum quer da toponímia, que andam geralmente mal escritos. Cândido de Figueiredo, embora averbe codesso como grafia correcta, regista codeço, codeçal e codeceira. A Gonçalves Viana ainda escapou codeceira. E a cada passo se encontram empregos de Codeçal, Codeceda, etc.

A etimologia, porém, reclama ss, em lugar de ç ou c. Já o notou Júlio Moreira, nos Estudos da Língua Portuguesa, u, pág. 33o. Apenas não foi rigoroso na indicação do étimo de codesso, que julgou estar. no lat. cytisu-, quando deve estar numa forma secundária cytissu- (pronunciada, é claro, cutissu-): aquêle deu o esp. códeso, mas só uma forma com troca de sufixo podia dar o vocábulo português.

Fixemos, pois, com ss a palavra codesso e tôdas as que dela dependam: de um lado, codessal e codesseira; de outro lado, Codessal (há também Codassal, que está por Codessal), Codesseda, Codesseira, Codessoso, etc:

como. Gonçalves Viana contribuiu para que se fizesse distinção gráfica entre como, conjunção e advérbio, e cômo, flexão do verbo comer. Motivo: poder aquela

       forma soar cumo, segundo o que se verifica na linguagem popular. Apesar disso há conveniência em ficarem igualadas as duas formas, porque, não sendo cumo pronúncia predominante, é insuficiente para fundamentar uma distinção.

consciência. O escrever-se hoje ciência, sem o grupo sc inicial, não obriga a escrever conciência, em vez de consciência. O sc desta palavra, que não é composta de ciência, mas representante do lat. conscientia, torna-se necessário, por motivos históricos, à sua pronúncia normal.

Se bem que o grupo sc medial, em determinada altura da evolução do português, tendesse a ser pronunciado c, esta tendência foi depois anulada, em grande parte, pela acção da grafia, necessàriamente mais conservadora do que a pronúncia. A escrita teve neste caso uma influência activa na dicção e a prolação do s do referido grupo acabou por se tornar normal, sendo hoje regularmente observada na região que se considera zona padrão da língua portuguesa.

A pronúncia antiga mantém-se hoje, com valor dialectal, em restritas regiões do nosso país. Todavia, conquanto traduzisse, como produto de evolução espontânea, uma tendência natural da fonética portuguesa, não deve ter alcan­çado, por influência da tradição gráfica, uniformidade absoluta na sua própria época. Tanto a escrita tradicional influía, que, por exemplo, Camões, enquanto escrevia em rima crece, dece, nave, exprimindo assim com indubitável clareza o valor fonético, usava em formas não rimadas grafias etimológicas com sc.

Ora, a palavra consciência, herdada do latim, regula-se pelas condições que permitiram a permanência fonética e, portanto, gráfica de sc medial. Está nas mesmas condições em que crescer, descer, nascer, prescindir (apesar de cindir), ou em que os seus afins insciéncia, presciência, cônscio, ínscio, néscio, todos representantes de formas latinas. E difere, portanto, fonética e gràficamente, de palavras que, dentro do português, se formaram de outras que já tiveram sc inicial: por exemplo, contracenar e encenação, de cena (em contraste com proscénio, de ascendência greco-latina).

Tôdas as vezes que, excepcionalmente, a pronúncia antiga de sc medial prevaleceu, a grafia ajustou-se-lhe, como convinha, pelo que temos hoje formas ,corno esclarecer e parecer (com sc, todavia, em dois passos de Os Lusíadas de uma das edições de 1572': esclarescido, em IV, 79, e paresce, em IV, 6o).

Correia. Falta justificação à 'escrita Corrêa, que, por vezes, se dá a êste nome

      próprio. Sabido que a terminação tónica -ea (ê) do português arcaico passa a -eia na Moderna língua, e sabido que tanto Correia como o nome comum correia estão nas mesmas condições fonéticas, não há motivo para se dar a êsse nome uma grafia que mais sugere a pronúncia arcaica do que a moderna.

O caso de Correia lembra o do antropónimo Mereia, que, embora de origem italiana, se adaptou inteiramente à nossa fonética e não deve, portanto, ser escrito Merêa.

criar. Impossível aceitar a distinção, praticada por alguns escritores brasileiros, entre crear= «dar o ser a» ou «produzir», com e nas formas arrizotónicas apesar do i das rizotónicas, e criar= «alimentar», «fazer crescer», «educar», com i em tôdas as formas. Não bastariam para justificá-la a ascendência clássica daquele sentido, herdado do lat. creare, e a menor antiguidade dos outros, nascidos em português. Desde que o verbo, qualquer que seja o sentido, é um só, e desde que tem i em tôdas as formas rizotónicas, o i estende-se ao resto da conjugação, de acôrdo com o preceituado por uma norma da nossa escrita.

dança. Não se pode pôr em dúvída a legitimidade do ç. Com ç sempre os antigos escreveram a palavra. E é essa a grafia tradicional, que a comparação etimo­lógica com o esp. danza só vem confirmar.

decerto. Gonçalves Viana, no Vocabulário Ortográfico, regista de-certo, que classi­fica como locução adverbial.

Se a classificação fôsse justa, teríamos de suprimir o hífen e escrever de certo, porque em locuções não deve haver hifen. Mas o que aí temos é simples advérbio. Os dois elementos formam uma unidade vocabular e, por estar perdida a idéia da composição, devem soldar-se.

Está, portanto, decerto em conformidade com a grafia de debaixo, defronte, etc. Modêlo por que também se hão-de regular, dada a perda de noção da composição, outros advérbios a que nem sempre se confere a boa escrita: depressa, que Gonçalves Viana regista com a grafia de-pressa; devagar, que Gonçalves Viana escreve bem, mas em que outros inserem hífen; deveras, que

                        o mesmo filólogo, além de classificar como locução adverbial, escreve de-veras.

dêlo. Eis a grafia que convém à antiga e ainda popular junção da preposição dês e do artigo arcaico lo. As flexões correspondentes grafar-se-ão dêla, dêlos é dêlas, levando, como dêlo, acento circunflexo, por estarem tôdas em homografia. Tem sido costume escrever dê-lo, dê-la, etc., com hífen entre a preposição e o artigo. Não convém tal costume, porque diverge da grafia de combinações vocabulares idênticas.

Efectivamente, temos em português casos vários de, união de preposições ou outras palavras ao artigo lo e flexões respectivas. E em todos êsses casos há soldagem gráfica dos elementos, que não ligação por meio de hífen: âmbolos, com o feminino âmbalas; pelo, com as flexões pela, pelos e pelas; polo, com as flexões gola, polos e pulas; sôbolo, com as flexões sóbola, sôbolos e sôbolas; tôdolos, com o feminino tôdalas.

Demais, o que se dá em combinações com o artigo lo dá-se em com­binações com o pronome demonstrativo arcaico lo aquêle ou suas flexões

  • com o pronome demonstrativo arcaico lo = aquilo. Se há pelo per + artigo lo, há também pelo = per + pronome demonstrativo masculino lo (cf. pelo que =por aquêle que); e há ainda pelo =per + pronome demonstrativo neutro lo (cf. pelo que =por aquilo que). Mais: se existe polo =por artigo lo, existem igualmente uma forma polo =por + pronome demonstrativo masculino lo e uma forma polo =por + pronome demonstrativo neutro lo.

Ora, por boa ordem ortográfica, devemos fazer de todos êsses casos um sistema e escrever também dêlo, dêla,. etc., com os elementos gràficamente soldados.

Pela mesma razão, escreveremos mailo (de mais e lo), maila (de mais e la), etc., e não, como se tem praticado, mai-lo, mai-la, etc. Tal como, se quisermos escrever português medieval em ortografia de hoje, representaremos por tralo,

  • não por trá-lo, a combinação arcaica de trás (= «excepto») com o artigo. Diversamente, note-se, é a ligação por hífen, em vez da soldagem gráfica,
  • que importa fixar nas combinações de qualquer palavra com os pronomes pessoais complementos lo, la, los e las e com o pronome demonstrativo comple­mento lo (=isso). Para assim se praticar basta o modêlo das conjugações portuguesas com êsses pronomes e das ligações dos mesmos ao advérbio eis.

Gonçalves Viana, no Vocabulário Ortográfico, representou por volo a combinação de vos + lo, sinal de que também adoptaria, embora o não aver­basse, nolo = nos + lo. Não se lembrou de que lo complemento, quer pessoal quer demonstrativo, exigia outra grafia, tanto mais que nos e vos já em conju­gações se lhe unem por hífen: dão-no-lo, ditem-vo-lo. Escreveremos, portanto: no-lo, no-la, etc.; vo-lo, vo-la, etc.

Note-se ainda que êste sistema nos obriga a distinguir dos casos indicados de pelo e polo casos de pe-lo e po-lo (em série com pela e po-la, pelos e po-los, pelas e po-las). Compreende-se: o que temos nestoutras ligações é um pronome complemento, pessoal ou demonstrativo, determinado por um verbo (cf. pe-lo haver, pe-lo saber, po-lo haver, po-lo saber, etc.).

Em resumo: o artigo lo e suas flexões, como o pronome lo = aquêle e suas flexões e como o pronome lo= aquilo, soldam-se gràficamente aos elementos anteriores; os pronomes pessoais complementos lo, la, los e las e o pronome demonstrativo complemento lo=isso ligam-se aos elementos anteriores por meio de hífen.

depressa. V. o artigo sôbre decerto.
devagar. V. o artigo sôbre decerto.
deveras. V. o artigo sôbre decerto.

Dinis. Importa restabelecer esta grafia e dar-lhe, quanto à linguagem normal, uso exclusivo.

Se bem que Denis (com a variação arcaica Donis) é a forma mais antiga e ainda viva entre o povo; se bem que essa mesma forma reproduz literalmente o étimo francês, o que explica, em parte, a preferência de alguns filólogos; do que não há dúvida é de que Dinis, com emprêgo já nos quinhentistas (cf. Os Lusíadas, III, 96, 1), e até antes, é a forma tipicamente moderna e característica da pronúncia normal portuguesa. Acresce que no seu uso oral há indiscutível vantagem de sonoridade e que isso mais recomenda a sua fixação na escrita.

diminuir. Tem sido facultativo escrever diminuir ou deminuir, assim como dimi­nuição ou deminuïção, diminuïdor ou deminuïdor, etc. Manter-se-ia a duplicidade gráfica, se não houvesse conveniência ou se faltasse possibilidade de estabelecer um só tipo de grafia.

O verbo latino deminuere tinha a variação diminuere, muito freqüente e até empregada em textos literários. Preponderante no uso geral de certa época em diante, apesar de convergente com outro composto (diminuere= «fazer em pedaços»), deve ser essa forma a base do verbo português, pela qual se regulará a sua grafia, tal como é a base de outras formas de línguas românicas, tôdas com sílaba inicial di- (cf. o esp. diminuir, o fr. diminuer e o it. diminuire). Se aparece em português a variação gráfica deminuir, empregada já nos textos antigos, embora, o que é significativo, menos vulgarmente que diminuir, será legítimo atribuí-la a uma variação natural de pronúncia (que, todavia, não tem direito a representação gráfica normal), a tão corrente dissimilação de i...i em sílabas contíguas (cf. os casos de ministro, vizinho, etc.).

Quanto às palavras afins, pode parecer, à primeira vista, que, assentando umas directamente no verbo português e sendo outras de introdução culta na língua, haverão aquelas de regular-se pela melhor escrita dêsse verbo e as outras de ajustar-se à escrita do clássico deminuere. Quere dizer: escreveríamos diminuïção, diminuidor, etc., e escreveríamos deminuto, deminutivo, etc. Seria esta uma solução erudita, mas desnecessária. Desde que a vulgarização de diminuere já impôs no latim diminutus por deminutus, diminutivus por demi-nutivus, etc., tudo se deve conformar gràficamente, com vantagem prática e sem desvantagem científica, ao diminuere latino, que o mesmo é dizer — ao

diminuir português. Teremos, por conseguinte, diminuto, diminutivo, etc., como devemos ter diminuição ou diminuidor.

discrição. É errónea a escrita discreção, pois o vocábulo, quanto à natureza fonética da penúltima sílaba, cujo i soa nitidamente na pronúncia normal portuguesa, está em paralelo com formas nominais do tipo de confissão, procissão, profissão, etc. Assim o reconheceu e ensinou Gonçalves Viana (Apostilas aos Dicionários Portugueses, i, págs. 367-368).

Há quem não esteja de acôrdo, preferindo confrontar a palavra, por exemplo, com secreção. Esquece-se, neste caso, que secreção, representante do lat. secre-tione-, da mesma forma que concreção, representante do lat. concretione-, tem história diferente: é palavra moderna e de introdução culta, motivo por que regularmente mantém o e protónico, ao passo que discrição, proveniente do lat. discretione-, é palavra antiga e comum (v. descriçom no Florilégio da Literatura Portuguesa Arcaica, de José Joaquim Nunes, pág. 97), motivo por que, como confissão <confessione-, procissão <processione-, profissão <professione-, etc., pode apresentar a mudança do e em i, seja por metafonia, seja por analogia de substantivos com i protónico e terminação idêntica (cf. contrição, perdição, etc.).

Em conformidade com discrição, temos discricionário. A derivação fez-se de um radical discricion-, tal como de um radical profission- se fêz profissional, e assim devemos mantê-la. O que não quere dizer que não fôsse legítima outra base, uma base discrecion-, tomada ao latim; a exemplo do que se dá com os derivados de confissão e procissão, deduzidos todos de radicais latinos, isto é, respectivamente, confession- e procession- (cf. confessional e processional).

dossel. É no lat. dorsellu- que se filia esta palavra:Para comprovar tal origem há a forma arcaica dorsel, usada por Garcia de Resende. Eis por que carece de defesa a vulgar grafia docel, da qual se tem feito registo no comum dos dicionários.

é. Nome da letra e. V. á.                               

Egito. De acôrdo com uma opinião de Gonçalves Viana (Ortografia Nacional, págs. 72-73 e 28g), que não pròpriamente segundo o preceituado pela reforma ortográfica de 1911, alguns ortografistas adoptam e recomendam a grafia Egipto, com o fundamento de que o p, embora mudo aí, se profere em vocábulos afins. Apesar disso, há razões de sobra para se preferir Egito.

Antes do mais, a vantagem de se harmonizarem gràficamente Egipto e os seus afins não compensa uma desvantagem: haver uma palavra em -ipto, com meramente gráfico, 'em contraste com outras de terminação igual ou seme­lhante em que o p soa, como eucalipto, cripta, etc.

Por outro lado, o p mudo de Egipto seria caso excepcional, e não de sistema. Bem diferente de p mudo precedido de e ou o e seguido de t ou ç: o que temos aqui não é uma consoante que se mantém, neste ou naquele grupo vocabular, por haver palavras onde soe; é uma consoante que se mantém por influir no valor da vogal precedente (como vestígio de quando se pronunciou) ou por estar em correlação com os casos abrangidos nessa influência. Assim: exceptuar, exceptivo, excepção, com e protónico = è, e correlativamente ex­cepto; adoptar, adoptivo, adopção, com o protónico = ò, e correlativamente adopto; etc.

Além disso, Egito e as palavras afins não estão nas mesmas condições históricas: são diferentes as circunstâncias em que se fixaram na língua. Egito, embora não venha de evolução normal do lat. Aegyptus, representa pronúncia muito antiga; atesta a redução natural de pt a t, que demais se documenta gràficamente no português arcaico e ainda se comprova com grafias quinhentistas (por exemplo, duas grafias camonianas Egito, uma'em Os Lusíadas, x, 37, 8, e outra nos Enfatriões, 313); e o curso vulgar que sempre teve até se denuncia (não obstante o p, devido a latinismo gráfico) numa forma medieval Eigipto (v. o Florilégio da Literatura Portuguesa Arcaica, de José Joaquim Nunes, pág. 71), onde deve haver, dada a pronúncia i de e inicial, uma inversão do fenómeno da passagem de ei- a i-, como em eigreja> igreja, Einês> Inês, eiró> iró, etc. Por sua vez, egípcio e outros derivados são formas em que o p, desde longa data, se mantém e soa por influência latina, pois de outro modo, tal como pt deu t em Egito, era natural que desse ç, hipótese que se confirma com haver egicião em português medieval (v. o citado Florilégio, pág. 6o). Reco­nhecida assim uma desigualdade de condições históricas, para que há-de a grafia estabelecer igualdade artificial ?

Por tudo isto, adoptar-se-á a grafia Egito, embora se escreva egípcio, egipcíaco, etc. E não se objecte que há egiptologia, egiptólogo, etc., com p soante: a dedução de formas tais, que são neologismos cultos, faz-se da forma etimológica (cf. ideologia e ideólogo, comparativamente com idéia).

endes e endez. Faz-se destas duas formas um problema ortográfico, mas sem neces­sidade. Nada pode determinar que se prefira uma em detrimento da outra, porque ambas são correctas e ambas são usadas pelo povo.

A. razão de coexistirem na nossa língua endes e endez (que tem a variação indez deu-a já D.ª Carolina Michaëlis. Sendo impossível admitir a passagem de endes a endez ou de endez a endes, só havia uma explicação plausível: uma história especial para cada forma. Compreendemos, na verdade, a divergência fonética, desde que aceitemos origens diferentes: (ovu-) indice- >* êndez>endes; (ovu-) indicii>* endeze > endez.

estrangeiro. Não havendo argumento convincente a favor da escrita estranjeiro (impossível fundamentá-la num lat. * extraneariu-, ou * straneariu-, que teria dado estranheiro, e insuficiente defendê-la com o espanhol), continua a ser preferível a escrita estrangeiro, apoiada no uso tradicional e porventura baseada no fr. arc. estranger, origem mais provável.

Filipe. Gonçalves. Viana deixou-se impressionar pela freqüência da escrita Felipe em autores antigos, designadamente nos clássicos do século xvi. Preferia-a, por isso, a Filipe (cf. Ortografia Nacional, pág. 43), embora no Vocabulário Ortográfico registasse as duas escritas. Neste caso, entretanto, não basta o exemplo antigo para dar a decisão.

O étimo da palavra, que representa indirectamente o lat. Philippus, está por fixar: segundo Leite de Vasconcelos, Antroponimia Portuguesa, pág. 6:, ou vem do francês ou' do espanhol, línguas em que lhe correspondem, respecti­vamente, Philippe e Felipe. Estivesse a origem determinada, fixar-se-ia logo a melhor grafia. Em todo o caso, pelo lado histórico, terá maior probabilidade o fr. Philippe: sabe-se, por exemplo, o muito que se tornaram célebres na Idade Média reis franceses dêsse nome; e poderia atribuir-se ao eco das emprêsas de algum dêles a vinda do nome não apenas para a nossa língua como para a sua congénere peninsular.

Quanto ao espanhol, dado o carácter francês da terminação -e, não parece haver mais que a probabilidade de ser língua transmissora. Podia a palavra, na sua peregrinação, ter-nos vindo de França por Espanha. Dêsse modo, a escrita Felipe receberia legitimação etimológica.

Mas há outro facto a ter em conta, sem embargo da dúvida subsistente. É que a grafia da palavra assenta modernamente numa noção etimológica latina e sob essa influência se tem firmado. Baseia-se, por assim dizer, numa regressão à ortografia do étimo remoto, que faz manter o i da primeira sílaba, assim como chegou a produzir ph e pp (cf. Philippe e Filippe), e que dá a essa manutenção cunho muito vivo. De maneira que a forma Felipe, se não é, a vir do espanhol, dissimilação de Filipe, tem hoje reduzida, por essa razão, a possibilidade de ser gràficamente expressiva; se é forma dissimilada, a estar o étimo no francês, menos poderá desterrar Filipe, nesse caso com vantagem de prioridade e de expressividade, e terá mesmo, apesar do uso antigo, tão pouco direito a sub­sistir secundàriamente como teriam menistro = ministro, Felinto = Filinto, ou quaisquer outras representações de uma dissimilação de i...i em sílabas vizinhas.

Nestas circunstâncias, a escrita Filipe reclama ainda a preferência. E por ela se regularão tôdas as palavras da família: Filipa, filipino, etc.

frágua. O Vocabulário de Gonçalves Viana regista esta palavra, que tem, como se sabe, a significação de «forja» e é antiga na língua (cf. Fragoa damor, título de uma tragicomédia de Gil Vicente), sob duas grafias: frágua e frágoa. Assim fazem também alguns dicionários, quando não dêem apenas a grafia jrágoa. Há vantagem em se fixar uma escrita única, pois a etimologia o consente: lat. fabrica-> arc. frávega>* frágova>frágua (-ova>-na, como em récova> récita).

Teremos assim como boa a grafia com u: frágua. E do mesmo modo fraguar e fragüeiro.

Notar-se-á que são coisas diversas frágua= «forja» e uma forma espçcial frágua,- «terreno escabroso» ou «fragura». A segunda forma constitui variação de fraga. Por sinal, antiga: já se lê em Zurara.

genitivo. Não há razão para sacrificarmos esta forma, tradicional e inteiramente con­sagrada, a uma forma genetivo, regulada pelo lat. genetivus. Fazer dêste a base do vocábulo português é critério ultra-etimológico, porque já em latim há genitivus. E daqui, precisamente, se tiram as formas das outras línguas românicas.

gerigonça. Gonçalves Viana, no Vocabulário Ortográfico, averba duas grafias, uma com g e outra com j. Filólogos contemporâneos preferem às vezes a segunda. Não havendo conveniência na duplicidade gráfica e não permitindo as dúvidas sôbre a etimologia que se fixe a escrita rigorosa, o melhor é seguir o uso vulgar e tradicional, escrevendo gerigonça (ou, em variação, geringonça), como já há quatro séculos fazia o autor da Eufrósina.

ginásio. Nesta palavra e nas que lhe estão imediatamente ligadas, suprime-se, por não soar, o m do grupo etimológico mn. O que não impede que o elemento de composição gimn(o)- e o radical nominal gimn- (ambos com o sentido de «nu»), com os quais tôdas essas palavras estão aparentadas, mantenham mn, porque, limitados a uso culto, devem conservar-se íntegros na pronúncia.

gíria. Relacionações com o port. gerigonça ou com outras formas românicas não fizeram luz, até agora, sôbre a origem desta palavra. Só o conhecimento seguro do étimo pode determinar se é de rigor g ou j. Enquanto subsistirem dúvidas, mantenha-se g, de acôrdo com o uso vulgar.

grão e grã. A história destas duas formas, reduções, do adjectivo grande, tem curiosidade ortográfica. Vale a pena referi-la.

A forma grã, como se sabe, é a mais antiga: provém do uso de grande em próclise, e antes de consoante. A forma grão, além de mais moderna, é de natureza secundária: não resulta directamente daquele adjectivo, mas da própria redução grã, e explica-se pela troca de -5 em -ão que pôde dar-se em certa época da língua, quando o ditongo ão final se estava fixando.

Tomando largo curso, grão tinha uso normal no português quinhentista e era comum aos dois géneros, que não sòmente do género masculino, conservando assim o valor de origem: Camões escreveu grão fidelidade num passo célebre (Os Lusíadas, III, 41, i). Não se perdeu, entretanto, a forma grã, que coexiste com grão no decurso do português moderno. E qualquer delas, em princípio, se pode hoje empregar em ambos os géneros, notando-se apenas como restrição

  • haver compostos femininos em que se tornou muito fixo o uso de grã e em =que, portanto, é supérflua a alternativa: grã-cruz, Grã-Bretanha, etc.

Mas, sendo grão e grã formas de emprêgo facultativo, não pode ser faculta­tivo o modo de escrevê-las, como vulgarmente tem sucedido. Assim: não se deve empregar gram para valer grão, porque -am=-ão se limita a formas verbais; não se deve empregar grau para valer grã, porque essa grafia deixa sem expressão correcta uma vogal nasalada; e também não se admite gram = grã, porque -am= -ã carece de exemplo na ortografia actual.

Portanto, só há uma grafia legítima para cada caso: para a forma com ditongo nasal, grão; para a forma com vogal nasalada, grã.

Em paralelo com grão e grã estão as duas reduções de santo, isto é, são

  • sã. As condições de origem são as mesmas: sã, redução imediata; são, forma secundária, resultante de sã como grão resultou de grã. E as condições de grafia iguais tem de ser, pelo que se torna inadmissível escrever sam em vez de são e san ou sam em vez de sã.

No que há diferença, notemo-lo, é em dever reduzir-se, quanto ao português actual, o emprêgo facultativo dessas formas.

Na verdade, para os nomes do hagiológio e seus derivados imediatos, como para os topónimos nascidos dêsses nomes e vocábulos que dêles dependam (v., como particularidade, o artigo sôbre Sampetersburgo), temos de preferir, por mais característica da língua de hoje, a forma com ditongo nasal: escreveremos São João e são-joanense («relativo a São João»), São-Tomé e são-tomense, etc.;

  • às escritas do tipo de Sã João, Sã-Tomé, etc., daremos a única possibilidade de representarem usos dialectais.

O uso indiferente de são e subsistirá apenas, sem desvantagem, nos compostos e parassintéticos que se relacionem com formas vulgares do culto de santos ou com épocas do calendário, porque, nesses casos, se a forma são tem direitos como moderna, a forma conta com os direitos de um emprêgo quási sempre antigo e muito popular. Pelo que escreveremos: são-joaneira ou sã-joaneira (cf. S. Joaneira= Sã-Joaneira, nome de uma personagem de Eça), são-martinho ou sã-martinho, etc.

hã. Em geral, não se dá a esta interjeição grafia adequada: ahn, que amiúde ocorre, é inteiramente irregular. Escrevendo hã, temos correcta representação de uma vogal nasalada e temos h inicial à semelhança de hem.

hem. A escrita das interjeições tem muito de convencional. ¡Que a convenção, porém, não se funde na arbitrariedade, como sucede no caso desta interjeição! Escrever hein ou ein, como vulgarmente se pratica, é uso arbitrário, sem razão aceitável. Em vez de qualquer dessas representações, exòticas na nossa escrita, convém adoptar hem, que dá boa imagem da pronúncia, e que, quanto ao h, pelo qual se evita confusão com a preposição em, fica em paralelo com várias formas interjectivas.

imiscuir-se. Discute-se a origem dêste verbo neológico. Seja qual fôr, o que não sofre discussão é que êle está em paralelo com o fr. s,immiscer e há-de ter relação, pelo menos indirecta, com o verbo latino immiscere. Por conseqüência, torna-se inadmissível uma grafia com e, emiscuir-se.

inteiro. Na Ortografia Nacional, pág. 124, Gonçalves Viana preferiu a forma antiga, enteiro, por ser a que provém de evolução fonética, isto é, da regular transfor­mação do lat. vulg. intégru-. A exemplo dêsse filólogo, há quem a adopte e até lhe dê entrada em livros escolares. Salvo o devido respeito, ¿onde iríamos ter em ortografia, se nos cingíssemos, por sistema, a formas de origem evo­lutiva?

A forma enteiro tem, não há dúvida, prioridade e é a que está de acôrdo com as leis da fonética histórica. Sem embargo, a variação inteiro, com in- por influência culta, reclama de direito o uso actual, por se haver tornado caracte­rística do português moderno.

Critério igual se aplica à palavra inveja, que está nas mesmas condições. Não a suplanta, só -por vir de evolução regular, a forma enveja, usada pelos antigos (cf. o último verso de Os Lusíadas) e ainda popularmente. Pode escrever enveja quem, numa obra literária, ponha o povo a falar: não, quem escreva a língua normal.

inveja. V. inteiro.

Java. É esta a forma actual do topónimo que primitivamente se escrevia Jaoa e soava Jaua. Proveniente de falsa interpretação do valor do /4, por depois se ter escrito Jaua, de tal modo se vulgarizou, que não pode ser desterrada da nossa pronúncia e, portanto, da nossa escrita.

Note-se que, se quisermos escrever a forma antiga, é a escrita Jaua que devemos adoptar: Jaoa limitar-se-á às edições críticas de textos, porque já não se ajusta à nossa ortografia (cf. a antiga escrita Jaos, a que temos de preferir Jaus).

jeira. Estando a origem no lat. diaria-, não pode ser admitida, apesar de antiqüíssima, a escrita com g, porque o grupo di + vogal dá j, como vemos em hodie > hoje, invidia-> inveja, etc.

jeito. Escrever geito, em vez de jeito, era êrro vulgarizado por um uso de séculos. Depois que não há dúvida sôbre o étimo, o lat. iactu-, só se consente o emprêgo de j.

Jugoslávia. Nenhuma forma convém mais do que esta para designar o país que também se chamou Sérvia-Croácia-Eslovénia.

É certo que o j do elemento eslavo jugo-, «do sul», no qual assenta o primeiro elemento da palavra (literalmente «Eslávia do sul»), não tem o valor do j português. Mas, precisamente porque tem, tal como o j do alemão ou do italiano, o valor de semi-vogal, deve ser reproduzido em português por j, de harmonia com o que acontece à semi-vogal latina i: cf. iugum—jugo, iunctura —juntura, iuridicus —jurídico, ect.

  • Reproduzir o j eslavo por i (o que obrigaria a trema sôbre o u imediato) não convém, porque é fazer equivaler a uma semi-vogal, fonema dependente por natureza, um fonema com independência silábica.

lugar. Nada mais se sabe a respeito desta palavra do que o que foi apurado por Gonçalves Viana.

O étimo parecia ser o lat. vulg. locale-, que obrigaria a outra escrita; mas causa embaraço a antiguidade da grafia com u, vulgaríssima nos textos do século xvi e já nos textos arcaicos, e o ser lugar a forma correspondente espanhola. Na dúvida, continue a escrever-se lugar.

maciço. Há razões plausíveis para escrevermos esta palavra com c, e não com ss. Além de que o esp. mazizo, atenta a correspondência entre espanhol e c português, dá fôrça a essa grafia, cumpre ter em consideração que os antigos autores escreveram maciço, que grafaram de modo idêntico uma variação da palavra, ainda hoje popular, mociço, e que tais usos gráficos são confirmados pela actual pronúncia transmontana, onde c se não confunde com ss.

Objecta-se a estas razões o haver ss no fr. massif e no it. massiccio (aos quais se equiparam o ingl. massive e o al. massive) e o saber-se, fora de qualquer dúvida, que a base dessas formas é o lat. massa. Não estará, porém, na

natureza fonética da sufixação, isto é, em -iço e                   contrastantes com           e
-iccio, o motivo que diferenciou das demais as duas formas peninsulares? Parece razoável admitir esta hipótese: que também a base do port. maciço

  • do esp. mazizo teria sido o lat. massa-; mas que o seguirem-se, primitiva­mente, ss e ç no vocábulo português e s (cf. o esp. masa) e no vocábulo es­panhol, teria dado origem, logo em época remota, a um fenómeno de assi­milação, traduzido respectivamente por c -- ç e

Como quer que seja, temos de fazer fé, até prova em contrário, pela comparação com o espanhol e pelos dados conjugados da nossa antiga escrita

  • da nossa dialectologia.

mailo. V. dêlo.

mexilhão. O étimo provável ou é o esp. mejillón ou um derivado do lat. myisca-, certamente *myiscilione-, donde também virá a palavra espanhola. O lat. mytilu-(mais correctamente mitylu-), proposto por Adolfo Coelho, apresenta dificulda­des: como é que essa palavra, ou mesmo um derivado mytilione- (mitylione-), explicaria bem o som x?

Mas, em qualquer dos casos, vê-se que a forma portuguesa tem e normal,

  • não i, na primeira sílaba: tanto o requere o e de mejillón como ý=ï do lat. myisca, pelo que devemos preferir mexilhão a mixilhão.

Nestas condições, a forma antiga missilhão (com ss <> x) não representará, quanto ao i, estado fonético primitivo, mas, pelo contrário, variação fonética de uma forma em que haveria e.

mister. Querem alguns mister para significar «necessidade» ou «urgência» e mester para significar «ofício» ou «arte manual». Distinção inconveniente, se entendida de modo absoluto: a ambas as formas, afinal, pertencem os dois sentidos, do

que dão boa prova os antigos textos.

A forma portuguesa inicial, recorde-se, é mister. Deriva do lat. ministeriu-

  • tem i, em vez de e, por metafonia.

Por sua vez, mester é variação de mister e resulta de uma alteração de timbre como a que se dá nas vulgares pronúncias despor= dispor, mestura = mistura, etc.

Forma secundária, mester não se afastou tanto da primária que se eman­cipasse quanto ao sentido. O que se pode afirmar sem excesso é que, apesar de variação fonética, obteve cidadania na língua literária, sobretudo, realmente, na acepção de «ofício», e que, por isso mesmo, tem jus a subsistir na escrita portuguesa.

no-lo. V. dêlo.

ó. Nome da letra o. V. á.

pelo. Diferente de pelo. V. dêlo.

percevejo. A ser, como se presume, derivado de perceve, não pode ter s, mas c. Com efeito, perceve é variação fonética de percêbe, em que o c se justifica pela etimologia, pois essa palavra deve .vir do esp. percebe, que, por sua vez, vem do lat. pollicipe.

  • plo. Assim se deve grafar a redução de pelo, isto é, de cada uma das combinações vocabulares que em português t~eem esta forma: per + artigo lo; per pronome demonstrativo masculino lo, e per + pronome demonstrativo neutro lo. Idênticamente, as reduções de pela, pelos e pelas serão escritas pla, plos e plas. Escrever p'lo, p'la, etc., como vulgarmente se pratica, não convém. O após­trofo só estaria certo, se essas reduções não tivessem uso oral constante e comum. Ora, a verdade é que, apesar de estarem fora da escrita normal, são vivíssimas na pronúncia corrente.

De tôdas essas formas se pode usar em verso, para satisfazer uma exigência métrica, e em prosa literária, para reproduzir linguagem falada. Tanto basta para que tenham o devido lugar nos nossos dicionários e vocabulários, onde ainda não figuram.

pôde. Está suficientemente demonstrado pelos nossos filólogos que a 3.a pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo de poder se escreve pôde, e não ponde. A escrita antiga portuguesa, confirmada por Duarte Nunes do Leão (que manda distinguir por meio de acentos o pretérito pôde do presente póde, hoje escrito pode), e a pronúncia de transmontanos e minhotos, tantas vezes esclare­cedora da nossa fonética histórica e da nossa ortografia, impõem, em vez de ou, a vogal ô, o que indica um étimo latino-vulgar *potit, redução fonética de potuit.

polir. Nada autoriza a distinção entre polir= «civilizar» e pulir= «lustrar». Fê-la Gonçalves Viana no Vocabulário Ortográfico, mas desnecessàriamente. Escre­va-se, portanto, polir, qualquer que seja o sentido.

polo. Diferente de polo (= pelo). V. dêlo.

pra. Costuma representar-se pela grafia p'ra a redução fonética da preposição para. Mas tal costume é inconveniente. Visto que essa redução traduz um uso geral e constante da linguagem falada, e não um uso restrito ou ocasional, só lhe convém grafia sem apóstrofo.

Os dicionaristas e os vocabularistas não registam, em regra, a forma pra. Cumpre-lhes, porém, registá-la, a exemplo do que fêz Gonçalves Viana, porque, embora ela seja alheia à escrita comum, pode ter aproveitamento literário: em verso, quando a métrica não consinta para; em prosa, quando se pretenda reproduzir linguagem oral.

preguntar e perguntar. O estudo histórico-etimológico destas duas formas permite as seguintes conclusões: que é preguntar a forma predominante nos textos arcaicos; que a forma perguntar apenas ganha vulgaridade do Renascimento em diante, parecendo, por isso, mais moderna e naturalmente resultante daqueloutra por metátese; que o carácter antigo de preguntar, usual em todo o País, se confirma com o paralelo do esp. preguntar e das formas populares prèguntar, pròguntar e proguntar (esta última não citada pelos filólogos, mas também conhecida); e que, por tudo isso, o étimo, se não é o lat. vulg. praecunctare, proposto por alguns mestres, é um lat. vulg. *praecontare, saído de percontare com a mudança de per- em prae-, porque o c só em posição intervocálica podia dar g.

Inferem-se daqui, evidentemente, razões de prevalência da grafia preguntar a perguntar. Cabem-lhe, com verosimilhança, maiores direitos de grafia normal portuguesa. O que, porém, não obsta a que se faça em dicionários e vocabulários o registo das duas formas, porque, se preguntar é preferível, perguntar não perdeu todos os direitos: deve manter-se, por fidelidade histórica, em edições eruditas de textos clássicos (cf., por exemplo, Os Lusíadas, r, 5o, i, e passim);

  • e tem de ser empregue pelos Brasileiros, que de outra forma não usam, nem podem já usar (sendo bem distintosper-=pêr ou pèr e pre-=prê), na linguagem falada normal.

quão. Escrever facultativamente quão ou quam não seria, em princípio, condenável. Convindo, porém, como em todos os casos em que a duplicidade gráfica é supérflua, adoptar uma só escrita, a escolha tem de recair em quão. Há, com efeito, vantagem prática em que o uso de -am =-ão se limite a formas verbais. Aplica-se o mesmo critério às duas grafias tão e tam, averbadas a par por dicionaristas e vocabularistas, mas das quais se escolhe a primeira.

quási. Os vocabulários ortográficos dão geralmente duas grafias, quási e quase, deixando entender como facultativo o emprêgo de uma ou de outra. Há sempre vantagem, porém, em evitar duplicidades gráficas, desde que estas não repre­sentem necessidade lingüística especial.

No caso presente, a grafia quási (prêsa à influência latina e com similares no esp. caci e no it. quasi), pode e deve ser exclusiva. Se quase poderia ter a seu favor a pronúncia portuguesa mais corrente, a grafia com i, além de não impedir essa pronúncia (i= ç), é a boa forma tradicional, inteiramente consa­grada desde o século xvI e até com precedentes no português arcaico, onde há exemplos de casy e quagy.

quere e quer. Muito se tem discutido a respeito destas formas, optando uns filólogos pela primeira, outros pela segunda, outros ainda pela coexistência das duas. Urge que o problema fique definitivamente resolvido, porque pode resolver-se.

A forma quer, resultante de uma apócope (pois a origem está em *quaeret, por quaerit), é a que conta com maior tradição. Não obstante haver exemplos de quere anteriores ao século xVI, tem ela o valor de forma tìpicamente clássica. Camões, assim como os demais quinhentistas, não usa de outra, o que se vê em inúmeros lugares, e particularmente em rimas, perfeitas ou imperfeitas (cf., por exemplo, quer em rima com mulher, nas redondilhas «Não sei se me engana Helena», e quer em rima com querer, no soneto «Que esperais, esperança? Desespero.»). Além disso, juntamente com o uso literário de vários séculos e com o uso oral que lhe dá o Brasil e não está perdido entre nós, documenta-a sòlidamente o haver em antigos textos e viver ainda no povo a conjugação qué-lo, qué-la, etc., isto é, a ligação de quer a flexões pronominais.

Pelo seu lado, a forma quere é a mais própria para representar o uso actual português. Não, pròpriamente, por ter maior vulgaridade em todo o país, mas por ser forma que a analogia determina e tende a generalizar (há -e, em duas conjugações, na 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo) e, sobretudo, por estar em harmonia com as flexões quere-o, quere-a, etc., únicas actualmente normais e literárias no que respeita à conjugação com pronomes complementos.

Que convém então fixar, em relação à ortografia de hoje? Só há uma solução equilibrada e justa: a coexistência das duas formas, cada uma com a sua. aplicação.

Como quere satisfaz melhor a conveniência portuguesa, dê-se-lhe preferência na nossa escrita normal. Tanto mais que ainda se harmoniza com requere, do verbo composto requerer.

Tendo, porém, quer outros direitos ortográficos, mantenham-se tais direitos.

Aparece invariàvelmente nos textos clássicos portugueses? Conserve-se, por exactidão histórico-lingüística, em edições apuradas dêsses textos.

Corresponde, por outro lado, ao uso oral do Brasil? Reconheça-se aos Brasileiros a faculdade de a adoptarem na escrita.

Finalmente, tradicional como é em verso português, pode e deve ficar de reserva para emprêgo na poesia, onde, satisfazendo uma necessidade métrica ou de rima, dispensa a apócope da forma normal, isto é, a supressão do -e representada por quer'.

Quanto "a requere, vem a propósito dizer que não se baseia apenas no presente. Tem abonações antigas, pois os mesmos clássicos que empregaram sempre quer não raro escreveram requere: Camões, por exemplo, em Os Lusía­das, viu, 82, põe essa flexão em rima com refere e difere. Contudo, como, por analogia com o verbo simples, houve já antigamente e continuou a haver modernamente emprêgo de requer, e como a mesma analogia, a par com as realidades da pronúncia, impõe no Brasil essa variação, temos de aceitá-la como forma secundária. E cumpre-nos pois atribuir-lhe, como a quer, além do uso gráfico exigido por fidelidade histórica ou por necessidade brasileira, o direito de aproveitar à linguagem poética.

Ainda àcêrca de quere e quer, notem-se dois casos de grafia:—É de rigor, para portugueses, o emprêgo de quere na expressão explicativa quere dizer (= isto é), porque temos no primeiro elemento, apesar da indeterminação de sujeito, verdadeira função verbal. Diversamente, exige-se o emprêgo de quer em locuções do género de como quer que, onde quer que seja, quem quer que fôsse, etc., porque o que temos aí é uma forma quer vinda do passado da língua e em que se perdeu a noção verbal, tal corno foi perdida na conjunção

quer.

rossio. Há dúvidas sõbre a etimologia desta palavra. O mais provável é que venha, segundo pensou Cortesão, do lat. residiu-, mediante a evolução seguinte: resi­diu- > resiliu- (forma atestada nas Dissertações Cronológicas e Críticas, vol. v, pág. 28o) > *resiio> *resio> ressio (arc.) > rossio.

Mas pode a origem ser outra, que não sofre discussão a legitimidade da grafia com ss, suficientemente indicada pelo arc. ressio. Motivo por que no topónimo Rossio se restaurou essa grafia, depois de por muito tempo se haver usado c.

Existe rocio com c, mas é a palavra que significa «orvalho» (do lat. *roscivu-) e que modernamente tem sido empregada com errónea acentuação esdrúxula.

salmo. O s está por um grupo etimológico ps. Não convém, todavia, escrever psalmo, porquanto, apesar da freqüência e da regularidade com que se mantém o grupo ps- de origem grega, é salino que traduz, desde longa data, a nossa pronúncia normal.

Pelo modêlo de salmo, escreveremos salmista, salmodia, saltério, etc.

Sampetersburgo. Assim deve escrever-se o velho nome da antiga capital da Rússia, ao qual se seguiram Petrogrado e Leninegrado.

Escrito São-Petersburgo (ou, abreviadamente, S. Petersburgo), tem a des­vantagem de deixar saliente, após o elemento São-, uma parte que destoa, pela estrutura, dos nossos topónimos compostos dêsse elemento e de um nome do hagiológio. O inconveniente remedeia-se trocando a forma São- pela sua cognata (Sã-) e aglutinando esta à segunda parte, sob o modêlo, por exemplo, de Sampaio = Sã-Paio (v. o comentário às reduções de santo no artigo sôbre grão e grã).

são e sã. Reduções de santo. V. grão e grã.

sobresselente. O ser esta forma variação fonética não dá motivo para lhe preferirmos a forma básica, sobressalente, porquanto ganhou predomínio no uso normal: dá apenas motivo para a escrevermos com ss, e não com c, como erròneamente se tem praticado.

soçobrar. Os escritores quinhentistas dão exemplos de ç medial. O espanhol tem Madureira Feijó, ortografista do século XVIII, ainda prefere soçobrar. Recomenda-se, portanto, a adopção de ç, em vez de ss.

sossegar. Considera-se indiscutível a grafia com ss. Não provam outra coisa, além da pronúncia transmontana (ss diferente de c), o paralelo do esp. sosegar, o emprêgo de sossegar (ao lado de sossêgo, etc.) nos escritores quinhentistas e o emprêgo de sessegar no português arcaico, factos êstes pelos quais se recons­titui, com tôda a probabilidade, o étimo latino *sessicare.

Suíça. Que se deve escrever Suíça, e não Suíssa (grafia influenciada pelo francês), prova-se com o exemplo de antigos escritores, entre êles Garcia de Resende na Miscelânea, e com o paralelo do esp. Suiza, em que o corresponde a ç português. A reprodução por ç de um grupo primitivo de dental e sibilante (o do al. Schweiz representa tz é comparável com o que nos mostram quiçá <quid sapit, Gonçalo <Gund(i)salvu-, etc.

tão. V. quão.

t~eem e vêem, têm e vêm. Cada uma destas duas séries de formas verbais tem a sua razão de ser: têm e vêm representam o último estádio da evolução fonética dos latinos tenent e *venent (por veniunt); t~eem e vêem representam ampliação dessas formas com a terminação -em, por analogia com as 3.ª$ pessoas do plural do presente do indicativo da 2.. e 3.. conjugações. Qual o cabimento de uma

  • de outra série na nossa escrita?

Não se contrariam: ambas subsistem, de direito. As formas t~eem e vêem são hoje as características da pronúncia normal portuguesa. Como tais, e visto que possuem a seu favor maior expressividade, por evitarem, o que decerto já concorreu para o seu nascimento, confusão com as correspondentes do singular, devem prevalecer na nossa grafia actual. Entretanto, têm e vêm também contarão com o uso escrito: porque são as formas clássicas portuguesas, necessárias, portanto, em edições fiéis de textos clássicos; porque são indispensáveis aos Brasileiros, que só a elas dão normalmente uso oral; e porque, tradicionalmente usadas em verso, ainda se lhes deve reconhecer o direito de emprêgo na poesia, em atenção a exigências de medida ou de rima.

Escrever teem e veem por t~eem e vêem, como se tem praticado, não estaria certo. Tais grafias não condizem com a pronúncia.

tejolo. A etimologia não consente que se escreva tijolo: sabe-se que a palavra veio do esp. tejuelo, diminutivo de tejo.

tribo. Pôsto que tribo e tríbu são grafias igualmente correctas, ambas com tradições

  • ambas até com correspondências românicas (cf., por exemplo, o esp. tribu e
  • it. ant. tribo <> mod. tribù), convém que se fixe definitivamente uma só escrita, tribo. Evitar-se-á assim o emprêgo invulgar de u final em sílaba átona.

-uis e -ui. Devemos fixar estas terminações na conjugação dos verbos em -uir: a primeira, na 2.ª pessoa do singular do presente do indicativo; a segunda, na 3.ª pessoa do singular do mesmo tempo e na 2.ª pessoa do singular do imperativo. Para usarmos, em vez delas, -ues e -ue (sem ditongação), não há motivos suficientes. É certo que -ues e -ue são morfològicamente regulares, t~eem prioridade histó­rica e ainda vivem nalguns usos individuais. Mas -uis e -ui levam-lhes vantagem, porque representam hoje a nossa pronúncia normal e porque, representando-a, estão de perfeito acôrdo com uma tendência fonética portuguesa: exemplificam a ditongação de vogal tónica e e surdo, do mesmo modo que as terminações -ais e -ai dos verbos em -air (cf. sais e sai, resultantes dos dissílabos saes e sae)

  • que as terminações -óis e -ói dos verbos em -oer (cf. móis e mói, resultantes dos dissílabos moes e moe).

Para mais, há verbos em -uir que recomendam de modo especial as terminações -uis e -ui: os verbos que acumulam com formas normais formas secundárias em -óis e -ói. Com efeito, não faria sentido que disséssemos de um lado constróis e constrói, destróis e destrói, em que um hiato primitivo desapa­receu, segundo a tendência referida (houve constroes e constroe, destroes destroe), e que disséssemos de outro lado, com o hiato mantido, construes e construe, destrues e destrue. Os dois tipos de conjugação partem de bases diversas, mas dão, fonèticamente, resultados simétricos.

Sôbre estas razões de preferência, que filològicamente bastam, as termi­nações -uis e -ui t~eem vantagem de eufonia. Para mostrá-lo; não será preciso mais que a linguagem poética, onde elas se prestam a belas consonâncias. Há um soneto de Afonso Lopes Vieira sôbre a nossa língua em que flui, do verbo

fluir, rima admiràvelmente com Rui            Rui Barbosa).

veio. Conquanto por muito tempo se usasse veiu, a filologia restabeleceu nesta forma do verbo vir (3.ª pessoa do singular do perfeito do indicativo) a legítima grafia com o final. Outra coisa não era exigida pela etimologia: lat. *venut (por venit) > v~eo (arc.) > veo (arc.) > veio.

vo-lo. V. dêlo.

Vosselência. A boa grafia é com ss, porque a palavra representa, segundo tôdas as probabilidades, a seguinte evolução fonética: Vossa Excelência> Vossescelência (pronúncia ainda vulgar)> "Vossecelência>Vosselência (por haplologia no encon­tro das sílabas -sse- e -ce-, das quais a segunda, menos perceptível, foi a que se perdeu).

Também Vossência deve escrever-se com ss, por ser redução de Vossa Excelência através de Vosselência.

Vossência. V. o artigo anterior.

xícara. Porque a forma espanhola correspondente é jícara, a grafia tem de ser com x, que equivale a j espanhol, e não com ch. A origem provável de ambas as formas peninsulares, o nauatle xicalli, corrobora essa grafia.

Academia das Ciências de Lisboa, 1940.

Rebêlo Gonçalves

Director dª Comissão do Vocabulário Ortográfico